sábado, 27 de junho de 2009

Senhora

A mulher olhava a criança e eu olhava a mulher.

Fiquei minutos-horas ali, olhando aquela senhora nos seus 60 e muitos a observar a criança desconhecida sem quase piscar.

O que será que se passava por trás daqueles olhos?

Eu olhava e pensava: O que você fez da sua vida, mulher? Agora que o tempo passou, que a maior parte se foi, que as escolhas estão quase todas feitas, os caminhos traçados, trilhados (ou não), qual o saldo do trajeto? O que mostraria a sua retrospectiva? Seria curta, sem sustos, sem apnéias, sem entregas, sem saltos de olhos vendados? Seria insossa? Seria muito menos do que deveria ser?

Ou seria linda?

Quereria ela retornar à criança para reescrever a tal retrospectiva?

Acho mesmo que não.

Ela tinha os olhos serenos, a criança lhe penetrava as retinas e lhe abria portas escondidas. Imagens. Boas, eu diria, pela doçura daqueles olhos. Ela tinha a tranqüilidade das chances aproveitadas e dos riscos corridos.

Acho mesmo que aqueles cabelos prateados viveram muita coisa deliciosa, outras nem tanto, mas que escreveram uma história digna de vista e revista por olhos serenos de uma vida muito bem vivida.

E no meio do caminho entre criança e senhora, me imaginei ali, ela.

Que serenos e doces os meus olhos também possam ser.

terça-feira, 23 de junho de 2009

O Pedido

Soluçava. Ombros sacudindo, fronte úmida. Espalhou o choro pelo quarto enquanto me pedia para ficar.

Com os braços ao redor do meu pescoço me molhou os tecidos e me apertou forte.

Eu não queria mesmo ir.

Ofereci meus braços, meu colo, beijei a fronte, acalmei o choro. O silêncio ocupou o seu lugar e uma calma aconchegante chamou o sono para dançar.

Saí sem olhar para trás, riso no rosto lembrando do pedido soluçado mais doce do mundo:

- Não vai, tia Bu. Não vai...

segunda-feira, 22 de junho de 2009

As Fontes do Meio-dia

Cinema, sexta-feira, quatro da tarde.

Uma sala de pessoas sozinhas mexendo no celular.

Um filme sobre pessoas sós.

Um filme bom, de final previsível, mas com um caminho gostoso de ver e a atuação deliciosa de dois atores fantásticos.

Lá pelas tantas Kate diz para Harvey:

- Eu não vou a fontes ao meio-dia, Harvey. Isso não é vida real.

Não?

Sei não. Acho que a vida real é o que a deixamos ser. O inesperado e as fontes do meio-dia que nos surpreendam e nos tirem do eixo. E não são mesmo essas as coisas que fazem a gente se sentir vivo? Que fazem o sangue borbulhar e o coração bater?

Harvey, que àquela altura já tinha sacado tudo, diz: É, Kate. Isso é vida real.

Deveria ser.


Não tem vida mais real do que a das fontes ao meio-dia.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Passeio

O sol iluminava o verde das árvores contra o azul limpo do céu. Os fins de tarde são lindos demais nessa época do ano.

Eu ouvia Blossom Dearie, andava seguindo as curvas da calçada e curtia a alegria do meu pequeno com todos aqueles postes e amigos caninos. O lago à direita brilhava oscilante no mesmo amarelo que gritava nas folhas.

E eu que cogitei não ir. Moro a dois minutos do melhor parque da cidade que eu acabo vendo só de longe. Hoje eu desci os andares e fui ver o que não aparece na minha janela.

Os parques recebem todos os tipos de pessoas nas tardes de domingo e eu observava curiosa todas elas. Casais de mãos dadas, ou não, homens com mulheres, com homens, mulheres, todos à vontade, tranqüilos, em casa. Atletas amadores, de fim de semana, profissionais com os seus uniformes esquisitos. Idosos, adultos, adolescentes, crianças, muitas crianças em duas, quatro, seis rodas. Crianças a pé felizes da vida. Famílias aos montes. Emos. Comedores de comidas de parque. Uma mulher com o seu maltês, olho nas pessoas e no sol brilhando nas árvores, sorriso no rosto sem motivo aparente.

Aparente. Ela tem, na verdade, todos os motivos.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Eu

O Eu não é tudo isso. O Eu é absolutamente superestimado.

O Eu é um Outro, mais Um.

Monte de moléculas momentaneamente aglutinadas por uma força ainda não entendida, até deixar de ser e virar moléculas espalhadas por aí, outros Eus - passagem do todo, bicho de massinha que desaparece e perde a cor, o cheiro, o gosto, rápido demais - coisa que se junta, cria, aglomera, transforma o todo, quer desesperadamente continuar sendo e invariavelmente desaparece no ar.

O Eu quer sempre ser mais do que é.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

O Pula-Pula e a Piscina de Danete

- Eu nunca brinquei em piscina de bolinha.

- Como assim nunca?

- Nunca. Tenho o maior trauma por causa disso. Queria tanto saber como é....

- Era o máximo. Eu me acabava na piscina de bolinhas. Eu lembro de nadar nas bolinhas e imaginar como seria uma piscina de Chandele. Danete na verdade, naquela época era Danete....rs

- Lógico né Ju. É a sua cara querer nadar em uma piscina de Danete.

- Mas o mais legal de tudo era o pula-pula. O-MAIS-LEGAL! Era demais. Tinha sempre no Taquaral. Eu lembro até hoje da sensação de estar lá dentro, lembro do cheiro, da textura da borracha. Nossa....

- Que foi? Tão bom assim?

- Bom demais. Uma coisa de leveza, de liberdade, de um milhão de gargalhadas. Lembro de cair no fofo e levantar e cair de novo e ficar presa no canto, olhando as crianças pulando e sentindo o corpo balançar sozinho. Uma viagem.


Suspiro....

- Taí, preciso voltar a um pula-pula. Preciso. Será que algum parque vai me deixar brincar? A gente nem vê mais pula-pula hoje em dia, né? Hoje é só cama elástica e essas coisas mais modernas, o pula-pula já era. Ta démodé o coitado. Pena...

- Calma Ju, não chora....

- Hahahaha...não vou. Só me deu uma coisa boa de lembrar e ao mesmo tempo uma vontade de querer viver isso de novo...


Suspiro...

- Mas e aí, onde a gente vai comer? Mc? Tem tanta coisa nova no Mc, será que eles estão vendendo Chandele? Ou Danete? Me deu uma vontade de comer Danete.....rs

- De comer ou de nadar na piscina de Danete?

- Ai, nadar seria tudo. Imagina.... Imagina um pula-pula cheio de Danete! Hahahahahaha

- Eca, que nojo.

- É, ia virar meio luta no chantily né?

- Ia.

- Deixa prá lá, algumas coisas que são ótimas separadas ficam estranhas quando misturadas. Pula-pula e piscina de Danete, por exemplo.

- É...


Definitivamente.

Mas ainda vou voltar a um pula-pula, ah se vou. Vou me acabar de pular e cair dentro daquela coisa gigante, barulhenta de motor e de risada, que balança e te tira do eixo, com cantos fundos que te sugam e não te deixam levantar.

Quanto à piscina de Chandele-Danete... Uôu. Isso seria demais, como a senhorinha da piscina de macarrão do filme Patch Adams... Lembra? Imagina agora com chocolate.... rs

Quem sabe? Quem sabe????

terça-feira, 9 de junho de 2009

Twit

7:30 – Abrindo o olho esquerdo para ligar o computador

7:32 – Bocejando

7:41 – Fazendo xixi

7:48 – Escovando os dentes

7:53 – Puxa, que frio é esse?

7:58 – Saindo para trabalhar

9:00 – Enviando um fax

9:27 – Jogando paciência Spider enquanto o chefe não chega

9:47 – Arrumando a letra F do arquivo suspenso

10:42 – Fazendo xixi

10:44 – Ops, xixi e cocô

11:37 – Com fome

11:58 – Indo almoçar no kilo

13:34 – Fazendo hora no café

14:34 – Com sono

14:53 – Fazendo xixi

15:22 – Comendo pão de queijo

15:54 – Abrindo e-mails

17:18 – Arrumando as coisas para ir para casa

17:54 – Saindo do trabalho

19:22 – Assistindo novela

21:13 – Assistindo Jornal Nacional

21:58 – Assistindo novela, que emocionante esse capítulo!

22:47 – Fazendo xixi

23:03 – Escovando o dente para ir dormir


Definitivamente não entendo esse Twitter. Não entendo a necessidade de escancarar por aí a vida nos seus minimissississíssimos detalhes. Não entendo essa curiosidade de acompanhar a vida dos outros assim, nos seus minimississíssimos detalhes.

Mundo mais doido esse. Pessoas distantes, sozinhas, mas acompanhadas virtualmente até na hora do xixi. Over-conectividade virtual mascarando a desconexão do palpável.

E aí você vai me dizer, e o blog? O blog não te expõe? Claro. Faz parte da brincadeira. Dizer o que se pensa, o que se sente, te expõe a julgamentos, críticas. Mas faz sentido. Interessa saber o que se pensa, o que se sente. Interessa a troca, a reflexão, a sensação, a conexão de razão e de sensação, de sentimento. Um blog acrescenta, agrega, constrói, emociona, alivia.

Um blog é parte do que o outro é. Um Twitter é o que o outro faz e isso não tem para mim a menor importância. Não se cuspido assim, em duas linhas. Eu quero os detalhes sórdidos, as impressões, o recheio, a graça, o sal da história. O Twitter é a fofoqueira da janela e essa, meu bem, não me diz nada.

Sei lá. Pode ser que eu queime a língua bonita e acabe usando essa coisa um dia, mas por enquanto, cá entre nós, acho isso tudo muito, muito esquisito.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

33

Ontem foi meu aniversário. 33 aninhos bem vividos e recheados de coisas para contar. Tudo bem que de algumas eu não lembro graças à minha memória de peixe mas eu vejo fotos, as pessoas me dizem e eu acredito. Quanta coisa boa.

Uma amiga de infância - infância, adolescência, vida adulta - uma amiga de sempre me ligou para dar parabéns e a conversa enveredou para uma coisa meio assim:

- Juju, quem diria... 33 anos!

- Pois é menina, 33. A gente não se imaginava com essa idade toda né?

- Nunca! Lembra quando a gente era adolescente e olhava para a mulherada de 33? Tão velhas... Eu conversava com elas e a distância era enorme...

- Hoje a molecada conversa com a gente e deve pensar a mesma coisa.

- E a gente conversa com eles de igual para igual. Engraçado como essa percepção não muda.

- Hoje nós somos as tiazonas! Hahahaha

- É... Outro dia eu fui na dermatologista e ela me receitou um creme anti-idade. Até pouco tempo atrás eu via esses cremes para maiores de 35 e ria, achando que era coisa de velho e que eu nunca ia precisar disso.

- Daqui a vinte anos nós vamos ter essa mesma conversa. Imagina só... 53. “Lembra quando a gente tinha 33, Ju?”

- O bom é que a gente vai rir. No fim a gente sempre ri, né?

- Sim. A gente ri. Por isso que eu nem ligo para as rugas e para as marcas.

- Acho que a gente vai saber envelhecer. A gente vai saber olhar para a imagem no espelho sem comparar com o que ela era antes, vai ver as marcas na pele e lembrar das histórias, não da transformação da pele.

- Acho que o aprendizado e a experiência fazem com que o que a gente vê no espelho importe cada vez menos. A perspectiva é outra, o olhar é diferente.

Passos largos os do tempo. Pensei muito nisso ontem, nessa conversa. Acho que eu vou mesmo envelhecer tranquila. Eu aceito o caminho, abraço as marcas e cultivo os seus significados. Cada fase tem definitivamente a sua graça.
Envelhecer de boa é, no fim, achar a graça do seu tempo e rir lembrando da graça do que já foi.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Escola Viva

Aqui perto de casa existe uma escola que é o máximo.

Todos os dias eu passo por lá com o Lu e a gente sempre para pra olhar, os dois com o nariz grudado no alambrado.

Eu adoraria ser criança em uma escola assim.

O lugar é enorme, uma área gigante cheia de árvores com aquelas raízes penduradas, plantas, tocos. No meio das plantas, balanços, gangorras, trepa-trepas, casas de madeira e pontes que balançam.

No canto existe uma horta sempre verdinha que é cultivada pelas crianças e pelos professores. Uma graça os pequenos cuidando das plantas, as mãozinhas cheias de terra entendendo desde toquinhos a natureza das coisas, aprendendo a plantar e a colher os frutos. No meio das plantas, dos brinquedos, em volta da horta, vivem soltos vários animais daqueles que não se vê nas casas por aí. São coelhos, lebres, galinhas, galos, pintinhos, todos sossegados ao redor das crianças que adoram e interagem, cuidam, acarinham.

Nunca vi até hoje algum dos pequenos maltratar aqueles bichinhos. Ao contrário, aprendem a gostar, a proteger. É criança para todo o lado e a galinha passeando bonitona e orgulhosa pelo terreno, pompons amarelinhos ao redor todos piantes.

Fantástico. Mais ainda porque a escola é pública, o que prova que apesar dos pesares, com um pouco de criatividade e iniciativa pode-se fazer coisas incríveis. Pode-se fazer toda a diferença.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

E aí?

Você não é prá mim – me diz a boca.

Eu te quero só prá mim
– me dizia o beijo.

E aí, me diz, em quem é que eu acredito?