terça-feira, 24 de junho de 2008

Super Sono

Um amigo muito querido me disse que dia desses, de tanto sono, dormiu no trabalho. Até aí, normal. Acontece que ele apagou sentado, no meio do corredor, ao lado da impressora compartilhada por uma galera, gerente financeiro inclusive. Claro que Murphy se manifestou e foi justamente o dito cujo que o encontrou e de quebra curtiu uma com a cara dele.

Eu entendo perfeitamente essa situação. Quando o sono de verdade vem, não tem Cristo ou gerente financeiro que possa fazer nada. As pálpebras adquirem vontade própria e a única vontade que elas têm é justamente de se manterem completamente cerradas. Dane-se o mundo ou (principalmente) o dono das pálpebras.

Já tive desses sonos invencíveis no carro, na faculdade, no cinema, no show do Paulinho Nogueira (e olha que eu adoro aquele homem), no planetário, e, claro, no trabalho. Quantas vezes já parei no Frango Assado para tirar uma sonequinha no estacionamento? Perdi as contas. Eu babando no banco reclinado e ao longe barulho de biscoito de polvilho e cheiro de espetinho empanado. Clássico.

Na faculdade eu tinha o meu sofá. Depois de ter ido dormir às 4 da matina, do treino do meio dia e do almoço no bandejão, é óbvio que os meus olhos não permaneceriam abertos durante a explicação da curva de custo marginal. Saía de fininho e me esparramava no sofá de alvenaria bem na entrada do instituto. Não estava nem aí. Na verdade, eu não tinha mesmo era opção. O sono era mais forte do que eu. E que delícia era aquele soninho, totalmente revigorante. Meia hora depois voltava para a sala com o rosto todo amassado e completamente disposta, tanto que conheço muito bem as curvas de custo, marginal ou não.

Mais tarde, formada já, senti muitas vezes o super sono. O problema é que àquela altura eu trabalhava em uma consultoria em São Paulo e não havia mais o meu sofá de alvenaria. Na verdade, havia até um sofá na entrada do escritório, mas obviamente eu não duraria muito na empresa se os sócios se deparassem com o meu corpinho espichado nas almofadas de chenile. Resistia como podia. Tomava Coca-Cola, andava pela sala, abria a janela para respirar ar puro, fazia polichinelos... Nada era suficiente para afastar definitivamente o maldito sono da tarde.

Descobri então um esquema infalível que me salvou daquela situação periclitante: dormir no banheiro. Havia no escritório dois sanitários femininos, um na sala dos estagiários, onde o entra e sai era grande e seria bandeira demais, e outro em um tipo de corredor. Esse seria o meu refúgio.


Passei a freqüentá-lo quase diariamente, sempre às tardes, principalmente nos dias em que comíamos feijoada ou comida alemã. Nesses casos não havia escapatória. Ao menos 20 minutos de recarga no restroom eram absolutamente imprescindíveis para que eu fosse qualquer coisa parecida com uma economista no restante do dia.

Com o tempo, porém, notei que a secretária que se sentava próximo à entrada do meu “dormitório” começou a perceber o meu comportamento suspeito. Eu nunca lhe disse nada, até porque a senhora não era lá muito amigável, então imagino que a mulher deve ter pensado algumas coisas estranhas a meu respeito. Vai saber o que a imaginação de uma secretária desocupada criou para explicar as minhas estadias dentro do cubículo... Estará ela usando drogas? Trará ela vibradores para o banheiro? Daí para baixo. E o pior de tudo: conhecendo a capacidade de disseminação de histórias de uma boa secretária, eu tinha certeza de que o escritório inteiro já havia ouvido boatos cabeludíssimos a meu respeito. Paciência.

Pois bem, anos depois venho a público para desbancar as lendas e esclarecer o real motivo das minhas demoras por lá, e se alguém do escritório estiver lendo isso aqui que trate de esparramar a informação. Não era nada cabeludo, nada imoral, apenas o bom e velho sono, simples porém poderosíssimo. Delicioso.


Aliás, essa conversa toda me deixou incontrolavelmente atraída pelo meu sofá de chenile. Com a devida licença, boa tarde.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Lilo

Sabe aquelas coisas que você vê por aí, mas nunca acha que irão acontecer com você? Pois é, elas acontecem.

Já aviso que esse texto é desabafo puro, lavagem de alma, regurgitação. Queria muito me livrar desse sentimento que me aflige nesta época do ano, escrever ajuda.

Pois bem, que seja.

Dia 4 de junho de 2005, sábado de sol, meu aniversário. Eu assobiava pela casa e me arrumava para ir ao ensaio do teatro. Minha mãe perambulava pela cozinha fazendo o almoço e meu pai cuidava do jardim. Meu pequeno - um mini salsicha cor de caramelo, praguíssima, doidinho de tudo, patolinhas grossas e tortas para dentro, barriga rosinha gorda, olhinhos doces e espertos, cinco meses de idade - brincava em volta do meu pai na frente da casa.

Eu estava feliz da vida. Tudo estava perfeito e aquele era o meu dia. Eu pensava na festa de logo mais quando ouvi o grito do meu pai que nunca mais me saiu da cabeça: “Ai meu Deus, atropelaram o Lilo!”.

Os brados do meu pai só não eram mais altos que os gritos de dor do meu pequeno. Saí desesperada para o jardim e o que eu vi, ainda hoje, enche meus olhos de água. O moleque se contorcia na grama, barriga rosinha para cima, vermelho escorrendo pela boca.

Eu gritava e chorava e tremia. Aquilo não podia estar acontecendo...

Estava. Pequei aquela coisinha linda com cuidado e entrei no carro com meu pai rumo ao veterinário. Incrível como três minutos são uma eternidade nessas situações. Entrei na clínica gritando, pedindo pelo amor de Deus que salvassem o meu pequeno.

Deslizei em câmera lenta pelo azulejo branco até o chão, chorando desesperadamente. Uma veterinária balançou a cabeça para a outra enquanto ele tremia e se movia pela última vez. Silêncio. Dor. Não mais a dele, mas a minha dor imensa por perder o meu amiguinho doce, inocente e feliz dos últimos meses.

Ele morreu nos meus braços naquele sábado de sol, meu aniversário.

Nunca me recuperei daquele episódio, dia 4 de junho jamais mais foi o mesmo depois daquilo. Nunca mais será.

Cinco dias e alguns Pasalix depois o Lukinho chegou e me fez sorrir novamente. Impossível, porém, substituir o meu baixinho invocado. Impossível, porém, apagar aqueles minutos – sons e imagens - da minha cabeça. Sou uma otimista incorrigível com tendências Poliânicas, mas certas situações desafiam o nosso entendimento. Ironias FDPs desse nosso destino maluco e misterioso.

domingo, 22 de junho de 2008

Círculo

Eu tenho saudade de sentir as suas ranhuras nas minhas mãos, de sentir o seu peso, as suas formas, as suas reentrâncias. Tenho uma saudade imensa da sua aspereza.

Sinto falta do seu cheiro amargo, único, inconfundível. Das suas idas e voltas, das suas viagens longas e loucas para depois retornar, livre, às minhas mãos.

São tantas as lembranças, tantos os caminhos percorridos. Tantos os meus enganos e desvios, apenas com o intuito puro e certo de levar-te ao lugar a que pertences, ao centro do círculo, ao inacreditavelmente acessível ponto final.

E foram tantos os acertos. Tantos os deleites, os gritos eufóricos, os punhos cerrados, tantas as alegrias momentaneamente infinitas quando superamos, lado a lado, os obstáculos sedentos vindos incansavelmente em nossa direção.

Ainda me lembro do seu som durante o caminho, do seu som ao atingir o ápice. Fecho os olhos e ouço-o ao fundo, sorrio. Me lembro de tudo. Quero mais, não posso. Não tenho mais meios.

Tento te substituir. Tento. Não posso. Me lembro de tudo. Então te acho, te busco, te toco. Ensaio um retorno, me permito, me lanço, me sacio nas tuas ranhuras, apenas para ser lembrada, no dia seguinte, de que não posso mais. Não tenho mais meios. E te perco, até o próximo retorno.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Sexo e a Cidade

Acabei de chegar em casa depois de assistir ao filme de Sex and the City. Confesso que nunca fui fã ardorosa da série, apenas acompanhava por alto a saga das quatro mulheres quando, por coincidência, mudava de canal e elas estavam no ar, dando sopa. Gostava mas não amava. A série era para mim, OK.

O filme, porém, é uma delícia. Duas horas e tanto de diversão leve e de risadas decompromissadas. Ele não demanda raciocínio, grandes reflexões, não é transformador do indivíduo ou da sociedade, não tem nenhuma pretensão de oferecer nada além de uma sensação de bem estar. Ótimo mesmo assim. Cumpre a proposta com méritos e é realmente divertido. Recomendo super para a Sessão da Tarde.

Não é sobre Sex and the City, entretanto, que quero falar. Minha temática é outra. Ela surgiu durante o filme e foi, indiretamente, por ele despertada, arremessada em mim pelo casal sentado ao meu lado durante a sessão. Pela metade fêmea do casal, para ser mais exata.

Lá pelas tantas no meio do filme, em uma festinha descolada de Nova Iorque (que saudade daquele lugar...) dois homens se beijam para comemorar o reveillon. E não imaginem um daqueles ósculos estilo desentupidor de pia que deixariam a minha avó da cor de um tomate. Nada disso, foi um beijinho comportado, um quase-selinho, um nada. Totalmente justificado na cena, totalmente apropriado, normal.

Pois não é que a tapada ao meu lado (eu devo usar sem saber um bat-atrativo de tapados, não é possível...) me soltou, em meio a um risinho nervoso, um “ai, que nojo... Credo!”, em alto e bom tom? Em pleno século XXI, depois de trocentas paradas gays em Sampa e no mundo inteiro, depois de dezenas de casais homossexuais nas (quem diria) novelas da Globo enfiadas goela abaixo dos brasileiros cabecinha, depois de dúzias de filmes holywoodianos, bolywoodianos, europeus, brasileiros e intergalácticos sobre o assunto e ainda por cima, em um cinema na cidade de Campinas, juro que não esperava nada parecido com essa reação. Faça-me o favor, dona tapada: cresça.

Por incrível que pareça, a famigerada globalização que derruba mercados, moedas e barreiras de todos os tipos ainda não conseguiu vencer esse tipo de barreira (pré)conceitual: o que se vê na projeção de Sex and the City na telona difere anos luz do que se pensa sobre sexo (e relacionamentos) nessa cidade, nesse país. Uma pena.

No fim das contas, o tal filme despretensioso acabou rendendo uma bela reflexão. As conclusões foram desanimadoras, infelizmente, mas até o mais tapado dos mortais aprende com o tempo. Paciência.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Grande

Ontem, de repente, me senti grande.

Antes que vocês façam uma cara de “ai, que nojo”, não estou falando de um ataque de estrelismo, inflação exagerada de ego, nada disso. Me senti literalmente grande: espichada, comprida.

Eu não estava em um jardim de infância, numa tribo de pigmeus ou em Oz. Eu também não tinha bebido ou me utilizado de qualquer substância que pudesse ter causado esse tipo de alucinação. Nada. No caixa do supermercado, out of nowhere, bam. Uma sensação totalmente alienígena de ser-estar grande.

Aparentemente, uma conjunção momentânea de coisas e pessoas ao meu redor me tornou assim, acima da média, elevada. Eu olhava tudo do alto, os postinhos dos caixas, os atendentes, os clientes, a banca de mamões. Tudo estava baixo e pequeno perto de mim e era como se eu não fosse eu. Eu sei, estranhíssimo. Vai entender.

Curti aquilo o quanto pude. Desfilei com o meu pequeno carrinho de compras pelo corredor de saída, observando as coisas de outra perspectiva e pensando em como deve ser bom ser assim. Olhar o mundo por cima dos outros, ter a visão geral, enxergar à frente... Mais ou menos como dirigir uma caminhonete abrutalhada em um congestionamento na Dutra e poder ver o acidente lá na frente.

Eis que apareceu, então, o segurança. Um armário, esse sim inquestionavelmente grande. A minha caminhonete foi fechada por uma carreta de oito eixos. Voltei ao normal, um hatch mediano sem visão além do alcance, que ora olha para baixo, ora para cima e não se incomoda com isso. Interessante, porém, a outra sensação.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Comida de Vó

Passeava com o meu pequeno quando senti um cheiro de comida de vó. Parei. Respirei fundo. Queria aspirar todo o sabor daquele refogado. Queria me inundar daquela sensação.

Era exatamente o cheiro da comida da minha avó. Engraçado o efeito que comida de vó tem na gente. Acho que é porque ela vem acompanhada de família reunida dando risada em volta da mesa, de sossego, de aconchego, de colo que sempre foi seu, de olhar carinhoso, de histórias contadas com olhos marejados de saudade, de amor incondicional. Além de ser uma delícia, mesmo. Tempero de vó é único.

Sempre foram muitas as especialidades da minha avozinha. Minha boca inunda só de pensar no frango ensopado com polenta regado ao meu avô consertando relógios na oficia; no arroz de Braga quentinho com causos também quentes das minhas tias de Minas; no pavê de chocolate cheio de lembranças lindas de quando meus avós se conheceram... Tanta coisa boa.

Meu avô se foi há alguns anos e com ele, uma parte do tempero especial. Algumas especialidades não mais podem ser feitas, outras permanecem, porém com menos brilho. A casa não é mais tão alegre, o som dos vinis não preenche mais os cômodos, os relógios antigos param e assim ficam, os olhos da minha avó por vezes voam longe e voltam úmidos, sentidos.

A família continua, porém, em volta da mesa, o aconchego, o colo, o olhar carinhoso e o amor incondicional permanecem por lá, esperando pelos netos agora grandes, donos de si, mas ainda ansiosos pelo carinho de vó. O cheiro dos quitutes é também o mesmo. Delicioso, transformador de humores. Senti-lo hoje mudou o meu dia e me levou a um passeio saudoso e emocionado por esses pensamentos. Amo você, vovó. Saudade, muita saudade do vovô.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

A Senhora dos Gatos

Caminhávamos pelo parque naquele sábado à tarde. O objetivo era colocar o corpinho em movimento, oxigenar os pulmões, queimar a picanha da véspera e papear. O dia prometia e aquela atividade fitness despretensiosa parecia o recheio perfeito para aquelas horas ociosas.

Aliás, horas ociosas são coisa rara em nossas vidas de século XXI. Fazemos e fazemos e fazemos, e nos lendários momentos em que nada temos a fazer, arranjamos algo. Pois o tal passeio no parque foi o algo da vez.

É engraçada a variedade de figuras que encontramos nessas ocasiões. Uma lista não exaustiva inclui famílias barulhentas, malhadores profissionais, biólogos catalogando borboletas e animaizinhos estranhos, excursões de evangélicos, estudantes comendo pipocas cor de rosa e adolescentes aos pares com hormônios pululantes. Aparentemente os parques públicos abrigam todos os tipos malucos. Lá estávamos nós.

Pois bem, lá pelas tantas avistamos uma senhorinha nipônica, magrinha, de andar etilo gueixa, com um carrinho de feira cheio de pacotes. Pensei: “pronto, mais uma pinéu das boas para a minha listinha não exaustiva”. Engano meu.

Conforme nos aproximamos, pudemos perceber que os pacotes que preenchiam o carrinho de feira eram sacos de ração para gatos de várias cores e tamanhos. Delicadamente, passinhos de gueixa sorrateiros levaram-na até um felino negro desconfiado, provavelmente inquilino clandestino do parque, que ao reconhecê-la abandonou a cautela e deixou-se tocar.

Aquela figura que dedicava o seu sábado a alimentar gatos do parque me fascinou. Ela não era uma visitante eventual. Tinha aparatos próprios, método, conhecia as moitas e os seus moradores. Era uma habitue. Uma profissional da alimentação pública felina.

Qual seria a sua motivação? Ao contrário de nós, com nossos afazeres múltiplos, interesses múltiplos, compromissos múltiplos, ela parecia não ter nada mais no mundo a fazer a não ser estar ali, alimentando gatos que nem eram seus.

A Senhora dos Gatos aparentemente escapou da vida no século XXI e voltou aos idos em que os dias tinham de fato 24 horas, equilibradamente distribuídas entre afazeres inadiáveis e lazeres compensatórios. Não sei ao certo dizer se para ela a alimentação dos gatos pertencia à primeira ou à última categoria.

Fato é que ela estava ali, feliz, realizando-se ao cuidar dos felinos que, pensando bem, eram mesmo seus. Comiam de suas mãos, roçavam-se em suas pernas, ronronavam com seus afagos. Apenas não moravam em terreno seu. Mero detalhe. Aqueles gatos eram mais seus do que muitos animais confinados em casas e apartamentos por aí.

A julgar pela expressão em seu rosto, acredito que aquela deva ser a parte mais importante de seus dias. Um momento especial, esperado, de realização. Nada conheço de sua vida, mas posso imaginar perfeitamente a Senhora dos Gatos sozinha em seu apartamento de um quarto, repleto de bibelôs e toalhas de crochê, preparando cuidadosamente o carrinho de feira.

Imagino-a só no mundo dos humanos do século XXI e acolhida no mundo dos felinos atemporais. Os gatos precisavam dela, ela lhes era útil e querida e isso lhe dava motivo suficiente para seguir em frente.

Naquele dia fiz mais do que oxigenar os pulmões, queimar a picanha da véspera e papear. Conheci a Senhora dos Gatos que agora habitaria a minha consciência de tempos em tempos e me faria inevitavelmente refletir: serei eu uma Senhora dos Gatos daqui a algumas décadas? Estarei só no mundo dos humanos agarrando-me a felinos para sobreviver? Tenho amigos, minha família, uma vida profissional atribulada, inúmeras atividades, mas como saber se aquela senhora não foi exatamente assim, 40 anos atrás? Aparentemente as amizades, a família e os afazeres inadiáveis se esvaecem com os anos, restando-nos tempo demais. Dormiremos menos, as horas serão longas e ociosas.

Ao menos gosto de gatos. E cães.