terça-feira, 31 de março de 2009

Endurando

- Você precisa escrever sobre os enduros no seu blog!, me disse o monitor da prova no auge da correria pré-largada: checa pedômetro, cronômetro, calculadora, canetas, chip, águas, bússola, planilhas, faz xixi, alonga a panturrilha.

- Preciso né? Eu vou, eu vou...
E saí correndo para checar o tempo no relógio oficial.

Mas sabe que eu precisava mesmo? Passou da hora de falar disso por aqui, ainda mais depois dessa chamada na chincha. Pois bem.

Enduro a pé de regularidade. Três horas de caminhada, 10 a 11 quilômetros no meio do mato subindo morro, descendo barranco, atolando na lama, passando no meio de rio, riacho, lago, fugindo de vaca morta e viva, tomando chuva. Tudo isso, contando passos.

A coisa funciona assim, cada equipe recebe as planilhas de navegação com o percurso a ser percorrido e as referências pelo caminho (pedras, árvores, trilhas, rios e por aí vai), a velocidade a ser seguida, o número de passos entre um lugar e outro e o tempo ideal para se passar por eles. O objetivo da galera é fazer a prova com a maior precisão possível, seguindo os tempos e o trajeto da planilha.

Parece fácil, né? O problema é que é tanta gente (umas mil pessoas participam todo mês) e o povo vai ficando tão profissa, que mesmo que você ande bonitinho e não se perca, acaba terminando a prova entre os décimoqualquercoisa ou entre os ésimos.

Mas tudo bem, sussa, já que o grande barato desse jogo é mesmo o durante, o caminho, as três horas e lá vai pedra (muita pedra) de caminhos absolutamente impensáveis em qualquer outra situação.

Pois só por conta dos enduros, eu passo tardes de domingo sentindo cheiro natural de eucalipto, andando no topo dos morros olhando para paisagens de babar, chutando água de riacho, pisando na lama fofa estilo mousse de chocolate, correndo floresta adentro, cantando trilha afora, comendo melancia cortada na hora e tomando os melhores Gatorades e as melhores águas do mundo. Por causa desses enduros eu passei madrugadas de sábado (algumas etapas são noturnas) olhando para um luar inacreditável em uma clareira na mata, vendo centenas de lanternas acesas em campo aberto na noite escura em um cenário absolutamente surreal ou caminhando com a chuva grossa batendo nas costas no meio do nada, na escuridão total, e tudo isso muito bem acompanhada de amigos queridíssimos, divertidíssimos, deliciosos. Quer mais?

Pois nos enduros a gente canta músicas da Noviça Rebelde nos descampados por aí, a várias vozes, morrendo de rir, e só isso, só essa palhaçada ridícula, já valeria, fácil, toda a brincadeira.

A experiência é incrível, recomendo, indico, ofereço mesmo. A coisa rola todo último domingo do mês em algum matagal desbravado por aí. Quem estiver empolgado-super para começar a pirar junto, pode conhecer mais e se inscrever no site da empresa organizadora que é esse aqui:
www.northbrasil.com.br.

Depois é só preparar a máquina de lavar, sacudir a lama da sola, do tênis, da calça, da camiseta, do cabelo e aguentar a dor na panturrilha na segunda de manhã.

terça-feira, 24 de março de 2009

Curitiba

Argggghhhhh, alguém me ajuda pelamordedeus.

Eu tô pirando nesse lugar.

A primeira coisa que a gente fez foi pegar o guia oficial do festival, um livro com cento e cinqüenta e tantas páginas, recheado com toda a programação desses dias de março nos teatros esparramados pela cidade. Para se ter uma idéia, a cada hora (ou meia hora) existem 5, 10, 15 peças acontecendo de todos os gêneros, temáticas, tamanhos. Eu olhava aquilo, lia as sinopses, via as fotos e queria ver tudo, a minha indecisão infinita tomando conta da parada e eu surtando para escolher e não perder nenhuma peça que eu nem sabia antes que existia.

Vir para Curitiba em março é submergir nos pensamentos, idéias e sensações de um milhão de artistas, é se expor à criação de um país inteiro de arte, palavras, imagens e muito suor, e de quebra conhecer gente absurdamente interessante. Vir para Curitiba em março é absolutamente imprescindível.

Nós estamos profissionais. São quatro, cinco peças por dia: meio-dia, 15:00, 18:00, 21:00 e meia-noite. Um banho de estímulos que entram e ficam aqui dentro remexendo.

Até agora foram Óquei, Pela Passagem de Uma Grande Dor, Ascenção e Queda da Cidade de Mahagony, Paranóia, As Ruas de Bagdá ou a Aranha Marrom não Usa Roberto Carlos (peças da meia-noite...rs), Oceano, Foi Como se Fosse, O Sono do Fauno, Formigas Gliter, Por um Fio, Inveja dos Anjos e Rainhas. As duas últimas, da Mostra Oficial, foram absolutamente fantásticas. Recomendo muito. Muito! Lindas, intensas, super bem construídas, imagens incríveis, temáticas interessantíssimas, atores e atrizes de babar. Depois a gente conversa sobre elas nas mesas de bar, não dá para dizer assim, agora. Coisa demais.

Amanhã tem mais. Até quarta-feira eu provavelmente vou surtar, sei lá. Depois eu volto e conto tudo.

Por enquanto, notas mentais para sobreviver ao festival: travestis são sempre travestis; centros de cidade nas madrugadas são sempre centros de cidade nas madrugadas, estejamos no sul ou em qualquer outro lugar; minha sandália preta não se dá bem com os paralelepípedos de Curitiba; não é qualquer coisa que se pede em um restaurante típico alemão, há chances de se acabar com um prato cheio de carne de onça, peixe Hering com chantily de maçã, geléia gelada e vísceras de porco com batata; nunca se pode confiar quando um curitibano diz "é logo ali, dá para ir a pé", eles são piores que mineiros; o que eu não puder ver dessa vez ainda vai existir depois, por aí. Calma e respira, baby.

Isso tudo é tão bom que eu estou aqui agora já pensando em voltar no ano que vem.

sábado, 21 de março de 2009

Cotidiano

No Rio de Janeiro uma ilha sumiu.

Isso mesmo. Versão brasileira Herbert-Richards do seriado de maior sucesso dos últimos tempos: uma ilha de 20 mil metros quadrados se escafedeu da lagoa da Tijuca, zona oeste do Rio.

Deu no jornal esses dias, com fotinhos de satélite e tudo. Biólogos, governantes e fãs de Lost de todos os cantos estão intrigadíssimos com o perdido da ilhazinha que vivia desde que o mundo é mundo, firme e forte, no mar de lixo e lama da lagoa.

Diz a lenda que a coitada deve ter sido dragada no meio de um projeto da Rosinha Mateus para facilitar a circulação da água. O problema é que quando o projeto já estava pela metade, resolveram avaliar melhor os resultados daquilo tudo e chegaram à conclusão de que a tal circulação da água poderia, ao invés de limpar, esparramar a sujeira pelas praias vizinhas. Resultado: projeto interrompido. Tudo isso, claro, é suposição. Há também quem diga que viu um careca atirando facas e girando rodas estranhas na ilhazinha, vai saber.

No mesmo caderno do mesmo jornal, descobri que o paulistano tem agora à disposição um novo guia de enorme utilidade. “Banheiros em São Paulo. Onde ir? Como fazer?”. Como fazer?????? Eu não estou brincando. Folha de São Paulo, caderno Cotidiano. Vai-se a Nova Iorque, Paris, Londres, Roma, Buenos Aires, Miami, Santa Rita do Passa Quatro, volta-se com guias de teatros, peças, museus, estádios, feiras de artesanato e atrações culturais diversas. Vai-se a São Paulo e volta-se com um guia de onde fazer...merda. A publicação brilhante do HC avalia 150 banheiros públicos e ajuda o coitado que tiver uma dor de barriga a se arranjar (ou não) nas várias regiões da cidade. A matéria do jornal, resumindo as dicas, já avisa: se a coisa apertar na Sé, 25 de Março, Avenida Paulista ou na Praça Ramos de Azevedo, corra e reze porque não tem nem cheiro de banheiro público por lá.

Por último, no mesmo caderno Cotidiano (o jornal estava especialmente recheado nesse dia), descobri que o que se aprende na 6ª série hoje em dia com os livros distribuídos pelo Governo do Estado é que o Equador não existe na América do Sul, que o Uruguai e o Paraguai estão invertidos e que o Paraguai também existe na Bolívia. Pode? Não. Não pode, mas é. A Secretaria de Educação de São Paulo falsificou o Paraguai.

Agora me diz se humorista não está no céu em um país com um cotidiano como esse?

quarta-feira, 11 de março de 2009

Ser de Novo

Hoje e amanhã tem reapresentação do espetáculo Quasímodo, adaptação do Corcunda de Notre Dame feita pelo Instituto Ser de Campinas (www.institutoser.com.br).

O trabalho é especial, diferente, assim como quase tudo nesse instituto que há 20 anos educa, integra e cuida de pessoas com necessidades especiais.

Os alunos fazem de tudo no palco, cantam, dançam, tocam percussão, atuam e adoram, cada um ao seu modo, morrendo de rir, ou de chorar, como o Vítor que se emociona e chora de cair lágrima quando está em cena.

As mães dos alunos também participam cantando e dançando, um grupo super animado que encontrou no instituto o apoio e o prazer de fazer parte de algo maior, com arte e à parte das suas rotinas que, cá entre nós, não devem ser nada fáceis.

A gente embarca com eles, alunos, mães, professores, e no fim tudo vira festa e uma grande lição de superação e de um amor imenso, lindo de se ver.


domingo, 8 de março de 2009

Surpresa

Acho que eu vou estar velhinha, cabelo azul de tão branco, e ainda descobrindo coisas sobre uma época em que eu não sabia de nada.

Incrível como se pode conviver tanto tempo com alguém que não existe.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Chopp e as Manicures

- A senhora gostaria de um chopp? Disse o moço vestido de roupa alemã com uma bandeja cheia de calderetas suadas circulando no meio do salão das manicures.

Eu de mini saia com as pernas para cima.

- Não, obrigada.

Chopp, cerveja, essas coisas nunca foram a minha onda.

- Não acredito! Disse a manicure com o meu pé no colo, colocando as duas mãos na cabeça e olhando para mim como se eu fosse um ET sanguinolento.

- Não quer? Como assim não quer? Com esse calor... Falou a outra que parou momentaneamente de cutucar a cutícula da minha mão esquerda.

- Huuummm, esse chopp é uma delicia, eu se fosse você bebia. Disse a manicure da cliente ao lado.

Olhando bem, dava para ver a baba escorrendo da boca das três.

- Eu não gosto de chopp, gente.

- Ah.... Um "ah" triplo, absolutamente inconformado. Eu era cada vez mais um ET.

Quer saber?

- Moço, ei moço! Chama o moço do chopp por favor.

Veio o alemão suado com aquela roupa ridícula em um dia de 40 graus na sombra.

- Eu quero um sim, por favor.

Esperei ele sair de perto e...

- Para vocês, meninas. Mandem ver.

Elas só faltaram me beijar na boca e me jogar para cima. Pareciam criança em volta da árvore de Natal. Olharam para um lado e para o outro para ver se a barra estava limpa e não tiveram dúvida. O líquido sumiu em três goles e dois segundos. As três começarem a gargalhar feito doidas.

O papo continuou, agora mais descontraído e girando em torno das maravilhas da cevada quando o alemãozinho paraguaio voltou trazendo outra bandeja cheia.

- Mais um, senhora?

- Ahã, pode deixar. Risinhos contidos à minha volta, aquela coisa tonta de criança que faz coisa errada.

Mesmo processo. Dois segundos, copo vazio, manicures felizes.

O cara, que àquela altura devia achar que eu era a maior boca de litro da paróquia, passou de novo, pegou o copo vazio e ofereceu outro chopp. Elas riram. Achei melhor recusar. Eu pretendia sair de lá com os dedos inteiros e as unhas vermelhas só de esmalte. Não seria muito legal se as manicures vissem três dedos onde havia um.

Fui embora rindo e ouvindo risadas atrás de mim. Um calor da morte, o dia inteiro curvadas cuidando de um zilhão de pés e mãos da mulherada, calo nas mãos, dor nas costas, cheiro de esmalte... Ô chopinho gelado merecido.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Padoca

Ontem um amigo meu perdeu o pai.

Assim, de repente. Foi para o hospital na sexta com falta de ar, trataram uma coisa, ele tinha outra e quando descobriram já não dava mais tempo para nada. De madrugada chegou a mensagem no meu celular. Tranqüila, sóbria, assim como ele estava quando cheguei no velório.

Um mundo de gente, aquele cheiro de flor que embrulha o estômago, um calor do centro-oeste e papo de velório all over.

Papo de velório é uma coisa estranhíssima. Ninguém sabe direito o que dizer e acaba revolvendo sobre a imprevisibilidade das coisas e as qualidades do morto, ou fugindo completamente do tema e falando sobre o tempo, a novela ou a situação da bolsa de Tóquio.

O meu amigo é daqueles caras que está sempre de boa e topa todas com um sorrisão na cara. Ele já fez de tudo por nós, já salvou a gente de cada enrascada e está sempre por perto em boas e más situações. Ontem que a gente devia cuidar dele, enxugar as lágrimas, dar o ombro, ele não deixou. Segurou a onda mesmo, inteiro, e voltou para casa amparando a mãe.

A imprevisibilidade das coisas é absolutamente assustadora, velórios nos jogam isso na cara sem a menor cerimônia. Sobre as qualidades do pai eu não posso falar, pois não conhecia, mas que deve ter sido um cara porreta por ter criado alguém tão do bem como o meu amigo, ah isso deve. Sobre o tempo, a novela e a bolsa de Tóquio eu não vou falar nada. Os velórios nos mostram que isso tudo não tem mesmo a menor importância.

terça-feira, 3 de março de 2009

40 graus


Hoje um carro pegou fogo na minha rua.

Ah, os dias de verão...

Sério, estava tão quente que o carro entrou em combustão espontânea parado no semáforo.

Eu a três passos da entrada de casa e o trânsito parou completamente. Não andava meio metro a desgraça. Uma fumaça preta começou a subir lá na frente e aos poucos o povo foi saindo dos carros, as pessoas saindo das casas, as cabecinhas aparecendo nas janelas dos prédios. Os velhinhos todos foram para as calçadas. O banco do meu prédio que nunca tem ninguém, ficou cheio de buzanfas de senhorinhas assanhadas. As pessoas desceram dos ônibus, as sirenes começaram a tocar.

A essa altura a fumaça já era imensa e de longe eu via um fogo enorme, coisa de filme. Logo depois as sirenes ficaram altas e só se via uma névoa branca e luzes de polícia.

Um bom tempo depois o pessoal que trocava a maior idéia no meio da rua percebeu que a coisa ia começar a andar, entrou nos carros e sumiu cada um para o seu canto. As senhoras se recolheram, as janelas esvaziaram. Lembrei até da Banda do Chico.

Eu cheguei em casa, deixei o carro na garagem e saí para saber que diabo tinha acontecido. Sim, eu sou o cúmulo da curiosidade.

Bom, o que eu descobri foi que o carro do cara, que era a gás, não agüentou o tranco e resolveu virar churrasquinho por conta própria. Cá entre nós, a instalação do tal gás não deve ter sido lá uma maravilha. O coitado do dono do carro estava desolado. Um pintor, voltando para casa depois de um dia suado de trabalho, sujo de tinta, sem seguro e agora sem condução. Ainda por cima sobrou para o moço responder a um monte de perguntas do policial com cara de poucos amigos, e pelo jeito a noite dele ainda ia ser longa na delegacia. Eita.

Desgraça quando tem de vir, vem com gosto, mesmo que você não esteja fazendo nada, paradinho no sinal. Olhar a água e o óleo do motor de vez em quando podem, porém, fazer alguma diferença nesses dias de 40 graus.

segunda-feira, 2 de março de 2009

02/08 - 02/09

Um ano de blog.

Cento e poucas postagens sobre as coisas mais aleatórias do mundo. Um pouquinho do que eu sinto, muito do que eu penso, experiências.

Volta e meia me perguntam se eu tenho o blog para mim ou para os outros. A resposta é, sem dúvida, as duas coisas.

Para mim, porque para escrever eu me permito parar, pensar, organizar as idéias e tirá-las da cabeça (ou do peito). Processo terapêutico mesmo, de alívio e prazer. Muito do que vem para o blog não se conversa em uma mesa de bar, e mesmo que se converse, o processo é diferente. A reflexão solitária é fundamental. As conclusões, outras.

OK, muito bonito mas não é só isso.

Não basta sair de mim, tem de ecoar por aí. Com o blog, o que eu escrevo de alguma maneira transforma, movimenta, provoca reações.

Incrível como as pessoas realmente lêem blogs. Além dos comentários, encontro sempre uns e outros por aí que comentam sobre os posts, acompanham, se identificam. Bom demais isso. Delícia perceber que o que eu escrevo pode de fato fazer alguma diferença. Delícia perceber que essas pessoas que me acompanham no blog me conhecem muito bem, mesmo que a gente nunca tenha se visto, e sabem mais sobre mim do que muitos dos amigos meus.

Coisas da modernidade das relações virtuais.

Mãos à obra, pois. Escrever sobre o que dá vontade é um grande barato. Que venha mais um ano de retalhos aleatoríssimos ecoando por aí.