sábado, 19 de dezembro de 2009

Campinas

Cidade estranha essa minha. Cidade sei lá.

As coisas funcionam assim: você investe, cria, constrói, trabalha pacas, emprega uma galera, sustenta 20 famílias com registro, 13º, cesta básica, tudo certinho, compra com nota, paga imposto, tira laudo de bombeiro, laudo de vigilância, laudo de acústica, laudo de estabilidade, atende a todas as quatrocentasenoventaetrêsmil exigências dos manuais X, Y e W, respeita a vizinhança, encerra a música às 22h, trata bem cliente, fornecedor, funcionário e quem mais aparecer, leva o negócio a sério, presta um serviço de qualidade e faz de tudo nessa vida durante anos para conseguir trabalhar em paz. Consegue?

Necas. É fiscal de todo lado te tratando feito marginal.

- Mas Ju, não faz sentido...

Pois é, não faz sentido mesmo. Lugarzinho esquisito.

Ao invés de incentivar o empreendedor, de ajudar o maluco que peitou abrir um negócio a essa altura do campeonato, os caras das canetas resolvem dificultar a vida da galera ao máximo. Ê esperteza.

Acontece que um dia o maluco que peitou abrir um negócio cansa de ser feito de idiota, tranca as portas, põe todo o mundo na rua, pára de sustentar 20 famílias, de pagar imposto, de comprar produto, de prestar serviço e se manda para a Austrália para tirar foto de canguru.

E aí? Alguém ganha alguma coisa com isso?

Só o canguru.

Tudo errado, minha gente. Tudo errado. Se eu for uma besta me corrige, mas os caras que a gente elege e paga uma grana preta todo mês não tão aí para garantir o funcionamento da sociedade, para promover o bem comum e para tentar fazer dessa nossa vidinha aglomerada uma coisa boa, digna, aceitável?

Ah, tá.

[cara de ué]

Alguma coisa deve então ter dado muito errado por aqui.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O morcego e os Sinais

Sábado, 4 da matina, eu de pijaminha (mentira que eu não durmo de pijama...) morta de sono, entro no meu quarto e o que eu vejo? Ein? Uma coisa preta sobrevoando a minha cama, dando looping em volta do lustre. Caraca... Será que entrou um passarinho aqui durante o dia? Eita, como é que eu vou tirar o bichinho daqui? Judiação... Ponho o Luke para fora e vou devagarinho para dentro do quarto ver o ser voador, e não é que não era um passarinho, gente? ERA UM MORCEGO! Ah, faça-me o favor! Um morcego dando rasante dentro do quarto no décimo terceiro andar de um prédio sábado às 4 da manhã?

Brincou.

Não tive dúvida, fechei a porta bem fechada para não ter chance do coisinha ir passear pela casa, abri a janela e fui dormir no sofá, eu e Luke desalojados por medo do morcego enxerido e absolutamente inconveniente.

Domingo de manhã: - Pai! Tem um morcego no meu quarto, help pleeease!

E papito foi, tirou o coisa marrom esquisita do quarto e jogou pela janela. Coitado, tava tão atordoado que saiu voando meio cambaleando trupicante mundo afora.

Ôxe.

Sabe aquelas fases trash, em que tudo dá errado, uma coisa atrás da outra, a ponto de você começar a rir das coisas prá não chorar? Pois é, acontece por aqui. Fase braba. Começou em outubro e não parou mais, trauletada de todo lado, daquelas de perder o rumo, inferno astral atrasado e com três meses de duração. Ô, delícia.

Mas eu não me abalo não. Vamo que vamo. Dou uma de Polyana, vou prá balada nos dias mais punks, canto alto no carro, brinco com o Lu, com a Lalá, dou risada, faço piada, faço o que tem de ser feito.

Continue a nadar, continue a nadar...

Acontece que às vezes as coisas ficam tão surreais que até eu, que não costumo acreditar em intervenções superiores, acabo acreditando que o universo só pode estar querendo me dizer alguma coisa.

Um morcego sobrevoando o seu quarto no 13º andar deve - só pode - ser algum tipo de sinal, de mensagem criptografada nem um pouco sutil. A ver.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Isso é São Paulo...

Ele chegou como um cara qualquer, exceto pela arma na mão.

- Olha só, todo mundo calmo por aqui. Isso é um assalto, passa já as carteiras.

Demora um certo tempo até a ficha cair, ainda mais com o cara falando calmo daquele jeito. Eu olhava para o revólver, para a cara do moço, para as pessoas na mesa e para as bolsas e celulares. Caraca, já era. O cara vai levar tudo, pensei.

Pegou o dinheiro que achou e ia levando uma carteira mas resolveu devolver, tinha documento e coisa demais ali. O ladrão estava de boa.

Foi então que apareceu o ignorante pelo meu lado esquerdo. Um mano bem mano, mochila na frente do corpo, boné, arma na mão. Foi chegando e pegando os celulares em cima da mesa. Eu via ele pegar os aparelhos e pensava em tudo o que estava ali dentro que eu iria perder, pastinha por pastinha, docs, senhas, contatos, memos, músicas, fotos, tudo para os caras trocarem por vinte mangos na primeira boca da esquina. Maldito mano. Não pensei duas vezes, na verdade não pensei vez nenhuma:

- Ai moço, não leva os celulares por favor, tá tudo aí, coisa de trabalho...

Ele olhou para mim espumando. Levantou a arma e veio para o meu lado com a coisa apontada, aquela sensação meio de câmera lenta sabe? Estranho demais. Eu só pensava que ia levar um tiro ali mesmo, na calçada do bar, por causa de uma porcaria de celular. Eu e a minha boca grande.

Ele chegou bem perto, levantou a arma e me bateu na cabeça com o cabo. Não foi forte, uma pancada só, acho que ele quis mais assustar do que machucar. Sorte. Aquele cara, bolado do jeito que estava, poderia ter feito qualquer coisa. Na verdade para ele me dar um tiro ou me bater na cabeça acho que daria no mesmo. O cara tava maluco.

- Calma moço, não bate nela. Disse o Biel do meu lado (obrigada querido!), o que fez ele sair de perto, guardar os celulares na mochila e ir correndo para a moto.

O outro cara fez a rapa nas outras mesas e saiu andando de boa, com direito a frase de efeito:
- Desculpa aí meu povo, mas vocês têm o que fazer e nós não. Isso é São Paulo.

Depois que eles saíram a gente ficou ali, parado, se olhando meio sem saber o que dizer ou fazer. Caraca, como a minha mão tremia...

É, minha gente, isso é São Paulo e todo o resto desse país à beira de um ataque de nervos. Eu só quero ver onde isso vai parar, acontece na Roosevelt, na rua, no buteco perto de casa. Não existe mais lugar seguro, nenhum, e depois de passar por uma coisa assim a gente tem a noção real da nossa completa vulnerabilidade.

Não adianta, a encrenca pode rolar em qualquer situação, a qualquer hora, onde quer que seja, e ficar trancado em casa não é vida, então o jeito é curtir e torcer para não estar no lugar errado na hora errada. Agora, cá entre nós, deixa levar o que quiser. Deixa, passa. Tentar argumentar com o ladrão chapado não é uma opção inteligente e promovedora de sobrevivência. A anta aqui tentou e quase não sobrou para contra a história.

Talvez por essa sensação de não saber o que vem por aí a gente tenha se jogado tanto na balada depois. Ou talvez tenha sido a vodka com energético misturada com tequila, mesmo... Vai saber. Fato é que a noite de aventuras acabou em uma das melhores baladas dos últimos tempos. Exorcizamos. Duro foi acordar com ressaquinha misturada com dor de galo na cabeça. Eita.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Clarice

- Eu traduzo tudo para o francês, disse me mostrando o catálogo do Pão de Açúcar na sua mão.

Uma senhorinha conversadeira de fila.... Adoro. Elas falam sobre tudo, são ótimas.

- Jura? A senhora fala francês fluente? Morou na França?

- Não, Canadá.

[Cara de hum balançando a cabeça]

- Como não tenho com quem falar, traduzo as coisas para não esquecer. Você fala?

- Francês? Infelizmente não, mas acho lindo demais.

Acho mesmo. Um dia ainda vou falar francês...

- Ah, que pena... Minha filha, que calor. Eu vim andando lá do centro e agora cansei, viu. Tô suando aqui. O duro de andar em Campinas é que não tem ninguém para conversar pelo caminho. Ninguém. As pessoas na rua são poucas e não gostam de falar assim, com os estranhos.

- É difícil conhecer gente por aqui, né?

- Difícil demais, minha filha. Campineiro é muito arisco. Ah se fosse em Serra Negra. Em Serra Negra tem muita gente na rua e todo mundo gosta de conversar. Achei até gente que falava francês. Outra coisa, outra coisa.

- É verdade, menos pressa e menos desconfiança né?

- Muito menos. Mas não é só isso, parece que por aqui ninguém gosta de conhecer gente.


É, o campineiro típico é um bichinho difícil de acessar... Ponto para a senhorinha.

Ela estava tão feliz papeando ali comigo que eu fiquei até de bode quando chegou a vez dela na fila do café. Tadinha, deve ser sozinha, viver o dia todo sem ninguém em um apartamento vazio com toalhinhas de crochê no centro da cidade. Eu queria mesmo era ficar ali falando com ela. Ela tinha tantas histórias, histórias do Canadá, de Serra Negra. Ela sentia falta de gente.

Eu estava ali pirando e sofrendo na da senhorinha quando chegou o seu exmo. senhorzinho “Clarice, pára de falar e faz logo o pedido. Que coisa.” , disse meio que se desculpando do falatório para o meu lado. Eu sorri um riso de tudo bem e pensei que a Clarice não vivia sozinha, afinal, mas provavelmente vivia só, entre catálogos de supermercado que traduz para o francês para não esquecer, por não ter com quem falar. Triste né?

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

As Bolsas Térmicas

Ontem chegaram lá no bar umas bolsas térmicas de presente de um fornecedor que vão ser lindamente estreadas no meu reveillon em Salvador. Ô delícia. Mas isso é outra história. Eu quero mesmo é falar do cheiro delas.

É, do cheiro. Que-cheiro-bom. Na hora em que elas chegaram na sala, o ambiente ficou impregnado com aquele cheiro de escola, de jardim, de ginásio na época em que ginásio era ginásio (nem sei como chama agora), um cheiro de plástico, meio de livro novo que a gente ficava encapando na mesa da cozinha com a mãe nas férias de janeiro, meio da lancheira que ia cheia de Toddynho, bisnaguinha e bananada. O melhor cheiro de plástico do mundo.

Uma delícia a sensação, aquela coisa boa de sentir uma época boa que já foi, sabe? Um gostinho, um lampejo de uma fase tão gostosa e fácil e simples, cheia de alegrias e pequenos prazeres, de brincadeiras e músicas do Balão Mágico, jogos e paquerinhas de pegar na mão.

Flashback total. Tudo por causa de um pedaço de plástico que já já vai estar cheio de cerveja, batida de coco e Smirnoff Ice. Quase tão bom quanto Toddynho, bisnaguinha e bananada....

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Vem Tia Bú

Ela é incrível. Tão diferente a cada vez que a gente se vê...

Ela pede colo, me conta da escola, do Biel, me faz comidinha de barra de cereal, gargalha gostoso e sai numa corrida de passicos desengonçados e gritinhos de alegria. Eu desenho nenê, peixe, cachorro para ela, faço ela girar e jogo nas almofadas uma, duas, duzentas vezes. A gente corre prá lá, corre prá cá, importuna o Luke, imita o Michael Jackson, ela fala dez, cem palavras novas enquanto cresce cachinhos quase loiros e ri para mim um risinho maroto meio de lado, irresistível.

Ela adora a lua, ou melhor, a ula.

Ela já sabe de tudo.

Não existe mau humor ou tristeza que resistam a essa mocinha piquita de olhos enormes cheios de docura e mãozinha gorducha com cinco minhoquinhas para cima dizendo vem tia Bú...