quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Genivaldo

- Alô.

- Ô Genivaldo...

- Ãh?

- É o Genivaldo que tá falando?

E lá eu tenho voz de Genivaldo, minha senhora????

- Não... Acho que você discou o número errado.

- Ah. O número é XXXX?

- É, o número está certo mas não tem nenhum Genivaldo aqui.

- Tem certeza?

Como assim “tem certeza”? Eu definitivamente me lembraria de um Genivaldo.

- Tenho. Desculpe.

- Ai meu Deus. E agora, como é que eu vou achar esse homem?

Silêncio. O que é que se diz numa hora dessas?

- Eu só tenho esse número...

A voz do outro lado foi ficando trêmula, embargada. Eu acho que ouvi um soluço.

Coitada. Desligou toda jururu e eu ali, parada, com raiva de um Genivaldo que eu não faço a menor idéia de quem seja.

Coisa feia, moço. Dá um perdido na mulher e ainda deixa o meu número para contato com tanto telefone nesse mundo? Se a moda pega... Ah se eu acho esse Genivaldo.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Sopa de ex

Aquilo estava muito interessante.

Uma profusão de exs. Ex da ex, ex da atual, atual da ex, ex amante, ex ficante, ex ex. Tinha ex de todos os tipos, cores e tamanhos, tudo em volta da mesma mesa, respirando o mesmo ar viciado naquele calor de 40 graus. Todo o mundo rodeando, ciscando, dividindo o mesmo metro quadrado em um bar enorme, cheio de gente. Engraçada essa tendência à aglutinação dos exs.

Tinha também ex amiga, ex melhor amiga, ex arquiinimiga, todas circulando cuidadosamente para evitarem o desagradável encontro frontal direto. Encontros frontais diretos são perigosos, desbancam a dissimulação, espantam o silêncio, trazem de volta sensações e obrigam à tomada de atitudes. Melhor não, pensavam. Melhores os olhares de esgueio lançados não tão disfarçadamente, acompanhados dos respectivos comentários em off.

Eu olhava ao redor e pensava na estranheza da situação. Um experimento antropológico riquíssimo, um caldo essencial de rusgas em um equilíbrio precário prestes a ser rompido por qualquer faísca. Na idade da pedra ou em uma tribo indígena, aquelas pessoas estariam rolando na terra, arrancando os cabelos alheios e resolvendo as pendengas na unha. Civilizados, passeavam olhares recolhendo munição para ataques verbais poderosíssimos, mais perigosos que qualquer luta corporal.

Eu, parte fundamental de uma das histórias mais cabeludas da roda, circulava alheia às pressões ao redor, tranqüila, sóbria, sussa, me divertindo com aquela conjunção improvável de pessoas que certamente demoraria outras tantas décadas para voltar a acontecer. Cheguei, vejam só, a ganhar o troféu diplomacia de um amigo queridíssimo e antenado, surpreso com a minha passagem ilesa por um campo minado dessas proporções. Estou de boa dessas pendengas. Mesmo. Muito pouco me afetava por ali. Quase nada. Que bom.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Aquela Noite

A mão da minha avó no meu braço esquerdo, minha sobrinha no direito. O Luke e o cachorro do vizinho à frente cheirando e regando todos os cantos do caminho. Meu pai assobiava entre uma e outra piada infame, daquelas que só ele sabe contar. Eu sorria um riso calmo, sem esforço, enquanto me apropriava daquela sensação. Que noite.

Eu sou apaixonada pela minha avó desde que nasci e pela minha sobrinha desde que ela nasceu. Meu pai é um dos meus grandes ídolos, exemplo, companheiro, grande homem. Meu cão é uma alegria constante, amor puro, incondicional.
Que família linda.

Eu segurava forte o braço da minha avó, fechava os olhos e pensava que eu não queria que aquele passeio acabasse nunca. Eu queria que aquela noite ficasse comigo para sempre, calorzinho bom no peito e paz de me sentir em casa.

O tempo passou e a noite acabou como tinha de ser. De alguma forma, porém, ela vai ficar comigo. O braço da minha avó querida, o sorriso da pequena, o assobio do meu pai e a alegria do Lu vão sempre estar ali, naquele passeio, todo o tempo que eu quiser, todas as vezes que eu assim desejar.

Os sentimentos que as pessoas nos trazem, uma vez sentidos, são nossos, estejam elas conosco ou não. Os sentimentos são eternos enquanto quisermos que assim sejam. Essa noite vai ser. Ela, aquela paz e o tal calorzinho no peito. Alguns momentos são tão simples e tão inesquecíveis.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Massagem

Eu gosto tanto de massagem que tenho a mania de ficar na maca calculando quanto tempo falta para terminar. Hummm, já foram as costas e a perna direita, ainda falta a esquerda, os braços, a parte da frente, o pescoço... Isso se repete várias vezes durante a sessão e é uma praga porque, ao invés de relaxar e curtir, eu fico angustiada porque uma hora vai acabar.

Eu sei, maluca. Novidade.

A mesma coisa acontece com um livro bom, um filme que eu estou adorando, um episódio das minhas séries favoritas, um doce delicioso. Fico contando as páginas para ver quanto falta, fazendo o cálculo dos minutos do filme, do episódio, das colheradas, e ao invés de simplesmente aproveitar, sofro porque estão terminando.

Hoje cansei dessa neura e resolvi fazer diferente. Deitei na maca e coloquei na cabeça que não ia pensar em nada que não fosse a sensação das mãos do terapeuta na minha pele desfazendo os nós do meu corpo. Eu iria simplesmente sentir e curtir, enquanto durasse. Foi a melhor massagem ever. E acabou, lógico. Tudo sempre acaba. Dêrrr. Agora, a sensação que ela deixou, isso não passa. Não passa também a expectativa das outras sessões que virão. Tão boas ou melhores do que a que passou e é esse o grande barato.

Que me sirva de lição para todo o resto. Livros, filmes, episódios, séries, doces, paixões e quase tudo de bom nessa vida, acaba. Isso é certo. Tão certo como isso é o fato de que novas coisas virão e serão deliciosamente boas, ainda que de formas diferentes. Basta curtir com leveza, guardar as lembranças e viver a vida deitando na maca e aproveitando a sessão do jeito que for, inteira, dure o que durar.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Panetones

Os panetones chegaram.

Caraca.

Acabou 2008.

Alguém sabe me dizer para onde foi esse ano? Ontem mesmo eu estava na areia de Copa curtindo os fogos e torcendo para nenhuma bala perdida me acertar e agora isso. Panetones. Malditos panetones que trazem com eles luzinhas, bolinhas, papais noéis e árvores de plástico, que trazem uma comilança desenfreada, banzo, mais comilança, festa e pronto. Dali a pouco 2009 já era e lá vêm os enxeridos dos panetones de novo.

Dizem que essa sensação de que o tempo anda cada vez mais rápido vem da velocidade da batida do nosso coração que diminui ao longo da vida. Por exemplo, uma abelha vive poucos dias mas o seu coração bate tão rápido que para ela os tais poucos dias são como se fossem anos. No nosso caso, quando somos crianças nosso coração bate muito mais rápido, criando a sensação de que o tempo anda mais devagar. À medida que envelhecemos, nosso coraçãozinho vai ficando preguiçoso, batendo mais lento, lento... Dá no que dá. Um ano passa que nem se vê.

No meu caso, acho que o meu coração se mudou para o nordeste e está batendo no ritmo de garçom baiano de quiosque de beira de praia às 3 da tarde depois de ter comido moqueca. Lerdinho, lerdinho. Só se for.

As coisas não cabem mais no meu pacote de 24 horas. Preciso de horas extras, um plano mais generoso, talvez com dias com o dobro de horas e anos com o dobro de dias. Quem sabe assim encontro de novo aquela velha tranquilidade dos tempos em que os panetones só apareciam quando realmente tinham que aparecer e o Natal demorava anos para chegar.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Fim de Festa

Fim de festa. Não dá para perder por nada, gente. Ainda mais com os amigos que eu tenho. Às vezes eu estou ali, pregada, morrendo de sono, 5 horas da matina cercada da galera bêbada, mas não arredo o pé. Quando arredo, acabo perdendo alguma coisa e me arrependendo depois. Os meus amigos são especialistas em gran finales.

O último foi impagável. Degustação de vodkas Absolut. Imaginem o estado do povo às 4 horas da manhã. Imaginaram? Piorem um pouco. Não se falava mais coisa com coisa e as pessoas, umas 8, estavam todas amontoadas em três cadeiras até que um casal resolveu nadar. Um casal não, o casal. Eles estão sempre no meio dos bafos mais divertidos.

Correram desembestados em direção à borda da piscina, vestido, calça e camisa ficando pelo caminho. As conversas pararam e o foco mudou, o show estava começando. A platéia nem piscava, só ria alegrona e fazia a ola de tempos em tempos. Foi então que ela tirou o sutiã. Nesse momento a audiência foi ao delírio e só se ouvia murmúrios de “oooohhhh”.

Para completar, no momento perfeito, surgiu o pai do meu amigo, o dono da casa. Foi-se o sutiã, chegou o pai, que obviamente se interessou pela cena e se juntou à platéia embasbacada e gargalhante com o timing perfeito daquela conjunção.

Para a decepção da arquibancada, não sei se constrangido com a presença inesperada do dono da piscina ou se desencorajado pela brisa gelada da madrugada, o casal desistiu do mergulho e fez o caminho de volta para a platéia, roupas retornando para os seus devidos lugares e cara de quem precisava beber mais.

Naquele momento eu pensei, OK, acabou o show, é tarde pra caraca, tenho que pegar o Lukinho, vou me mandar. Comecei a despedida e todo o mundo dizia: “Não vai ainda, você vai perder algum bafo, fica mulher.” Eu respondia que o bafo já tinha sido. Fui. Ãhã. Vai vendo. Depois que eu saí o casal voltou a tirar a roupa mais uns pares de vezes, pulou na piscina, nadou sem sutiã, dançou loucamente, ela sem sutiã, de fio dental com strass de frente para a platéia e ele de cueca, sutiã na mão girando em cima da cabeça até amanhecer.

Perdi. Para aprender. Fim de festa, meus queridos, dessas festas, definitivamente não se perde.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Ringo

Sábado comprei o primeiro presente de dia das crianças da minha sobrinha.

Na era dos brinquedos hi-tech cheios de parafernália eletrônica, fogos de artifício, sons alucinantes e efeitos especiais, eu escolhi o cavalinho de madeira que balança. Não tive nem dúvidas, optei pela simplicidade do Ringo (esse é o nome que eu dei para ele por causa de um Mangalarga simpaticíssimo que eu adorava) e confesso que a saudade falou bem forte na minha escolha.

Quando éramos pequenas tínhamos um cavalinho assim. Azul com pintinhas brancas e um nome que vivia mudando conforme os cavalos de verdade que a gente ia conhecendo. Foram horas e horas e dias e anos em cima daquele cavalinho. Quantas estradas de terra, cercas de madeira, rios bravos e campos de capim alto não foram percorridos naquelas brincadeiras. O cavalinho não decepcionava jamais. Nós é que decepcionamos o coitadinho quando paramos de ver graça naquelas cavalgadas e substituímos o vento imaginário nos olhos por outros tipos de diversões.

A Larinha precisava ter um cavalinho assim, de preferência dado pela tia aqui. Me apaixonei por ele na loja e levei para casa toda contente. Não via a hora de entregar para a piquita e rasgar aquele papelzão todo junto com as mãozinhas gorduchas da baixinha. Ela não me decepcionou.

Sentou toda valente no bichinho, segurou nas “rédeas” e curtiu o balanço que a gente providenciava, já que os pezinhos fofuchos ainda não alcançam o chão. Nas paradas ocasionais pelas cocheiras, a amazoninha chacoalhava o corpitcho pedindo mais.


Esse presente ela vai definitivamente curtir sem cansar pelos anos afora, pelas estradas de terra, pelos campos de capim alto, vento no rosto junto com a tia, seguindo logo atrás.

Sobre pessoas e gatos

O gato chorava a separação da mãe. Gritava alto sabendo que ia para nunca mais.

Eu ouvia e pensava que esse mesmo gato desesperado estaria em alguns dias feliz, satisfeito e perfeitamente aconchegado na casa do estranho, que em breve seria sua, e ele, seu companheiro fiel.

Quantas vezes já não fui o gato desesperado. Outras tantas fui aquele feliz e aconchegado, tendo percorrido o caminho que inevitavelmente existe entre um gato e outro. Tudo parte das nossas sete mil vidas.

Hoje, agora, não sou nem um nem outro. Sou o gato passeando rebolante, curioso, no meio do caminho.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Sobre meninos e cães

Fui passear com o pequeno e acabei parando um tempão para ver dois meninos brincarem com um cachorro malhado e um pano velho. Pano pra lá, pano pra cá, risada para todo lado, cão se esbaldando, lambendo e pulando e fazendo a alegria dos três, os garotos e eu.

As crianças e os cachorros têm uma sintonia incrível.

Essa coisa linda de brincar por brincar, sem pretensão nenhuma ou preocupação. Riso solto, fácil, inocente, desprendido. Riso do agora, da brincadeira e só. Tão bom de se ver. E reaprender.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Demo...cracia

A idéia da democracia é fantástica. Coisa de grego, como aliás, quase tudo de realmente brilhante da nossa civilização ocidental.

O problema é que a forma como ela está organizada é uma verdadeira piada de mau gosto.

Há algumas semanas saiu uma matéria em um jornal americano em que o repórter perguntava a opinião da galera a respeito dos programas do Obama e do McCain para saúde pública, educação, incentivo à economia e coisas do gênero. Necas, o povo não tinha a menor noção. Pois não é que quando ele perguntou sobre a gravidez da filha adolescente da Sarah Pallin, candidata a vice na chapa do McCain, todo o mundo sabia em detalhes do que se tratava e tinha uma opinião mais do que formada sobre o assunto?

Agora me diz se o povo não é retardado. Eles vão ter daqui a um mês que escolher o cara que vai decidir o futuro deles, que vai tomar decisões importantíssimas que vão afetar não só os americanos mas o mundo todo e os tapados não fazem a menor idéia de que tipo de mané estão colocando no cargo.

O mesmo acontece por aqui. O povo sabe nadica de nada dos programas e está pouco se lixando. O voto acaba indo para o bonitão, o simpático que apertou a mão do tiozinho, que pagou uma parte do telhado da dona, que prometeu construir um dia a passarela perto da casa do seu Zé e por aí vai. Conhecer, mesmo, os programas de governo ninguém conhece. Dá para cobrar depois? Lógico que não. Para complicar tudo ainda mais, existe por aqui um hábito mega incômodo dos nossos maravilhosos políticos que é de usarem o dinheiro público como se deles fosse. A tchurma da vida boa rouba mesmo, favorece amigo em licitação, aprova emenda na base da mala de dinheiro, emprega irmão, tio, vizinho, calopsita e o que mais der para encaixar no gabinete. Uma malandragem sem limite.

Adianta a idéia bonita da democracia? Nope. E o pior de tudo é que eu gosto de votar. Gosto mesmo. Me agrada essa coisa de ser cidadã, de expressar a minha vontade e a minha opinião, de ver o meu nome no livro de votação exatamente como o de todos os outros brasileiros, todos idênticos, do mesmo tamanho, recebendo o mesmo papelzinho, independentemente de serem famosos, ricos, empresários ou serventes.

Pena que esses cidadãos, todos iguais, sejam tão igualmente desinformados a respeito dos valores e das idéias que realmente importam na escolha de um candidato, e uma pena ainda maior que esses políticos malditos ignorem que são brasileiros e servidores do público e passem os seus mandatos a sacanear em tudo e a todos com o único objetivo de colocar o burro na sombra para o resto da vida.

Ah se os gregos soubessem onde isso tudo iria parar... Rasgavam a camisola branca.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Xabu

Ela é a ex-namorada da atual namorada da minha ex-namorada.”

Ele me disse isso assim, como quem conta que a banana tava feia no supermercado. Ah os dias de hoje...

Jura, e você tá saindo com ela?”

“Tô...”

“Sei...e...???”

“E o quê? Ela é legal. Na verdade as três são grandes amigas hoje em dia.”

“Sei...e você no meio...”

“É...mais ou menos no meio.”

“Ãhã...e...???”

“E o quê?”

“Por que você não vende os direitos da história pro Almodóvar?”

Ele riu. Acho que percebeu o absurdo da coisa toda. Tem gente que gosta de complicação. Sabe que vai dar xabu e mesmo assim, pula de cabeça. Não dá para dizer dessa água não beberei, mas euzinha aqui, na medida do possível, tô fora. Xabu assim é bom no cinema e só.

domingo, 5 de outubro de 2008

A Flor

A mulher estirada na rua. A flor violeta, há pouco apanhada, contrastava com o escuro do asfalto e fazia com o vermelho uma estranha composição. A criança soluçava e tremia na calçada, os olhos vidrados na flor.

A flor que era para ela. Tão bonita aquela flor. Tão linda que atraiu dois pares de olhos e um sorriso largo da boca menor. “Olha mamãe, a flor parece você”. Os olhos de mãe brilharam e um sorriso se virou para os olhos pequenos, brilhantes, e lá permaneceu quando trilhava o caminho da flor. E cresceu, contrastando o seu branco com o violeta no caminho de volta, interrompido.

Olhos de mãe não enxergaram e pararam de brilhar. Opacos, virados para a flor.

Olhos de criança enxergaram tudo e, opacos que se tornaram, brilhariam somente quando molhados, muitas vezes depois.

A mãe não mais seria. Ela morreria tantas vezes quantas os opacos olhos de criança vissem flores, violeta, carro, vermelho, asfalto, sorrisos de mãe.

A criança jamais seria o que teria sido se não fosse a flor.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A Lu

A Lu é a minha faxineira, uma figura que casou com um amigo da filha 19 anos mais novo e que paga o dízimo na Universal religiosamente apesar das minhas indignadas manifestações. Simples que só ela, fala tudo errado e escreve pior ainda. Vocês precisavam ver os hieróglifos que ela deixa para mim na porta da geladeira.

Toda sexta chega alegrona e já vai direto ferver com o Luke que é louco por ela. Essa parte da ferveção dura lá a sua meia hora enquanto ela me atualiza de uma parte das novidades da semana em Hortolândia. A outra parte ela me conta durante o café que já virou rotina: café de sexta tem que ter histórias da Lu e todas as risadas que as acompanham invariavelmente.

E que histórias. Algumas eu tive a brilhante idéia de anotar. Outras, e isso é uma pena, já eram. Não ficou nem uma vaga lembrança nessa minha memória de tilápia. O que sobrou eu resolvi registrar aqui. Histórias da Lu nas palavras da Lu:

- “Ju, eu tive um patrão que era um pedaço, sabe. Uns pernão que só Deus. Era médico, ainda por cima. A gente se adorava até que ele resolveu arrumá uma muié que é o demônio. Nunca me aturou, a mardita. Me atazanava a vida tanto que eu resorvi caí fora. Num dá, Ju, ela ciúma muito dele até hoje.”

- “Esses dia teve a inauguração de uma obra lá perto de casa e o Serra foi fazê a cerimônia. Precisa vê que bonito que foi. Meu marido pagô manicure, pedicure e cabelo pra mim e ainda me deu uma calça de setenta real. Nunca tinha vestido uma calça nova de setenta real, Ju. Me arrumei toda e fiquei linda. Cê sabe que eu gosto de fica toda perua, né? Fiquei tão emocionada que até chorei quando o Serra chegô. Eu amo o Serra, Ju.
- Jura Lu? Por que?
- Sei não. Acho que é porque ele parece com o meu avô...”

- “Eu acabei com tudo as minhas coisas de banco. As loja rouba a gente. A C&A? Nóis compra uma calça de cinqüenta real e ela custa duzentos se juntá tudo as prestação do cartão. Fiquei tão braba que cheguei pro moço e disse prá picá o cartão em um monte de pedacinho. Ele assustô e disse que não podia. Falei: pode picá. Ah não, Ju, eu tenho ciúme do dinheiro que eu ganho.”

- “Ju, o maridão colocô prá trabalhá uma camiseta com uns escrito em inglês que nóis compramo na igreja e um cara que disse entendê das coisa falô que o que tá escrito lá é coisa do demo. Eu disse pra ele que não pode sê, já que foi o pastor que vendeu pra nóis mas ele teimô que teimô e o povo tá tudo cabrero. Eu trouxe aqui copiado as palavra pra ocê me dizê se é mesmo.
[No Sacrifice, No Success]
- Hahaha. Pode ficar tranquila que não tem nada de demo aí, Lu. Só diz que sem sacrifício não se tem sucesso. Pode falar para o pessoal.
- Mesmo Ju? Tem certeza?
- Mesmo. Nada a ver. Pode ficar sussa.
- Ai meu Jesuis, graças a Deus. Eu falei prá ele que essa coisa de Sacrifice não era o que eles tavam pensano... Eu gosto tanto de conversá coceis que têm estudo que oceis esclarece a gente.”

Há umas três semanas ela veio me dizer que estava com umas coisas estranhas no útero e que iria fazer uns exames. Fez. Ecografia atrás de ecografia, teste disso, do outro e o resultado foi que os médicos ficaram preocupados e resolveram marcar uma cirurgia para tirarem os cistos. A psicóloga foi dar a notícia para ela com todo o cuidado e sabem qual foi a resposta? “Ih minha filha, pode tirá tudo, deixa só as tripa, o cérebro e o coração que do resto eu num preciso mais.” Em vinte e tantos anos de profissão a mulher nunca tinha recebido uma resposta dessas. Coisas da Lu.

O tempo passou e a cirurgia vai acontecer. Hoje. A Lu vai ficar um tempão sem aparecer por aqui e as minhas sextas vão ser bem menos divertidas até a sua volta. Sem problemas, eu espero. Boa sorte, Lu. Que saia tudo bem e que você volte inteirona, mesmo que só tripas, cérebro e coração. Com um coração desse tamanho o resto não vai fazer mesmo muita falta.