quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Segredo

Oito quilômetros pelo meio do mato, cruzando rio, tronco, passando por uma piscina natural mais bonita que a outra e nadando em água cristalina. O caminho era de tirar o fôlego pela paisagem e pelo cansaço mesmo, trilha das boas, daquelas que parecem que não vão acabar nunca quando, de repente, do nada, no meio das árvores... Voilà. Um paredão de pedra molhada dourada pelo sol, brilhando tanto e tão enorme que foi preciso uma guinada de cabeça de 90 graus para que eu enxergasse o limite entre pedra dourada e azul limpo do céu. Embaixo da pedra, bem na minha frente, uma faixa de água verde cristalina correndo entre rocha e trilha, translúcida, raios de sol iluminando as pedras submersas. À minha direita um barulho forte-contínuo de água caindo me chamou a atenção e então eu a vi.

Cachoeira do Segredo.

Caraca, caraca, caraca.

Aquele era sem dúvida um dos lugares mais lindos que eu já tinha visto, ao vivo, em fotos ou na TV. Sabe cenário de filme do Indiana Jones? Então, isso. Setenta metros de água caindo branca, leitosa, deixando rastro de névoa pelo caminho que terminava em um poço esverdeado rodeado por um paredão sem fim de pedras recortadas pelo rio, pelo tempo. No encontro entre queda e poço, um arco-íris. Atrás da cachoeira, as pedras em degraus faziam relevos, centenas de pequenas cachoeiras que se juntavam e se sucediam até morrerem na espuma e virarem poço transparente onde a gente se jogou, gritou e brincou feito criança. Eu nadava de costas, cara de besta, e não cansava de olhar para cima, para aquela visão inacreditável que eu não queria mais parar de ver.

E então eu entendi o nome da cachoeira. Segredo. Segredo sim, porque por mais que se conte, se explique, se mostre, só quem foi até lá, deixou a água cair forte nas costas e se jogou naquele poço para saber realmente do que se trata aquele lugar.

Eu vi muitas outras coisas lindas naquele canto do Brasil. Chapada dos Veadeiros, meu povo. Cheia de gringo do mundo inteiro, muito pouco brasileiro conhece. Vi mais cachoeiras, piscinas de água quente, poços sem fundo de água verde translúcida, o pôr do sol mais colorido de todos, um céu inacreditável com estrelas que não brilham como as daqui.

Eu bebi daquilo tudo com olhos de criança, tudo novidade, tudo tão diferente das visões de costume. Até o céu era outro...

A gente devia se sentir assim mais vezes. Lugares como esses recarregam os ânimos, fazem a gente pensar e deixam imagens para onde se volta quando quer, como aquela vista de baixo, sol batendo na pedra dourada e iluminando o fundo do rio, água leitosa caindo e jogando gotas de arco-íris nos meus olhos e no meu sorriso completamente besta. Segredo.





quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Chupando o Dedo

Eu lá, toda relaxada lendo o texto da Ópera do Malandro, pensando na coreô de gafieira e curtindo a massagem nos pés quando...

- Olha que lindo, Ju. Lindo! Seu pé está tão lindo que merece ser chupado.

Parei de ler e olhei para ela com cara de whattheheck pensando se eu tinha ouvido aquilo mesmo...

- Ãh?

- É Ju, pé assim tem que ser chupado. Olha esse dedão...

Que capacidade é essa de atrair maluco, minha gente? Quem tem uma manicure que diz isso assim, no meio do salão na maior naturalidade?

Eu, só eu.

- Jura menina, chupado? Resolvi dar corda para ver aonde aquilo ia parar.

- Ahã. Nunca chuparam o seu dedão do pé? Menina, mas é bom...

Risos. O que mais eu podia fazer?

- Eu também não sabia disso mas aí a fulana, que faz escova, sabe? Então, ela cantou a bola, disse que o namorado dela adora e resolvi provar. Ai Ju, experimenta!

- Ai experimenta mesmo, Ju, não tem como não gostar!
Gritou a fulana do outro canto do salão.

Gargalhadas. Muitas.

Que salão é esse, meu povo? Obrigada meu pai por não ser lá onde eu depilo a virilha...

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A Volta, Seu Orlando e Santa Teresa


OK. Back in business por aqui.

Vida danada de boa essa. Rio, Veadeiros, samba no morro, água fria de cachoeira, corpo doído e pele ralada de trilha, festa, festa, festa, queridos por todo lado sem dia nem hora marcada, fotos, música, dança de balada, dança que eu nunca dancei.

A minha vida anda um fim de semana muito do movimentado e por isso a ausência sentida. Fala que o motivo não é bom?

Fato é que não me falta coisa para contar, reflexão para dividir e história para compartilhar. A listinha está enorme e já não cabe mais nos papéis de bloquinho. Bora colocar o papo em dia minha gente.

Para começar, seu Orlando.

Seu Orlando é um senhorzinho de oitenta e poucos anos que a gente encontrou lá no Rio, no miolo de Santa Teresa em dia de samba no morro. Todo domingo rola um samba de primeira na praça, samba pelo samba mesmo, organizado pelos moradores que são todos musicais. A energia vem de uma extensão puxada da casa mais próxima, os caldinhos e a bebida são vendidos improvisados no banco da praça forrado de toalha xadrez, o público vem chegando da vizinhança que se conhece toda e se trata pelo nome e pergunta da saúde da vó e do time de futebol.

Adorei aquilo. Uma vilinha charmosíssima com o astral de 50 anos atrás, no meio daquela maluquice que é o Rio que eu conhecia. E mais: o seu Orlando. Pés e juntas que há oitenta e poucos anos passeiam por aqui, dançando que nem criança, mão no joelho, abaixadinha, samba no pé e na alma em cima daqueles paralelepípedos que já viram de tudo. Eu fiquei besta com a alegria e a disposição daquele homem bebendo Fanta e sambando bonito, da hora que a gente chegou até o último repique do tamborim. E tem gente que com 50 anos a menos não tem a alegria de se jogar, não deixa o samba entrar e passa o domingo vendo videocassetada na TV.

Santa Teresa é definitivamente demais. Para entender o espírito daquele lugar, para saber mesmo do que eu estou falando, não precisa mais nada, nadinha, a não ser entrar na roda para ver o seu Orlando sambar.