sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Natal

Natal.

Casa da vó. Respira, sossega, esparrama no sofá.

Acabou 2008.

Família junta, toda junta, comida (muita comida), risada (muita risada), cheiro de vinho, papel dourado, fita, Luke prá lá e prá cá, música de criança. Criança. Risada, muita risada.

Adoro Natal. Sempre adorei, desde sempre, desde quando eu era a criança rodeada pelos adultos babões que hoje, junto comigo, babam na minha pequena gorducha.

Cinco anos atrás meu avô estava entre nós, assobiando e ouvindo as suas músicas de Natal no vinil. Ano passado meu tio querido ainda estava com a gente, fraquinho já, se divertiu, morreu de rir, comeu de tudo. Ontem nenhum dos dois estava mais por aqui, ausências sentidas ao redor da mesa nos seus lugares de sempre. Saudade das gargalhadas deles. Saudades do meu avô com o gorro vermelho, tomando vinho e falando alto com o palito de dentes no canto da boca. Saudade daqueles olhos verdes.

Ontem eles não estavam aqui e o Natal foi diferente.

Diferente também porque a Larinha chegou, radiante, sorrisão de 5 dentinhos, perninhas gordas que não param nunca e transformaram o ar da festa, que voltou a ser o Natal lúdico do menino Jesus e do papai Noel.

O Natal muda com o tempo. Um dia não será mais na casa da vó e as pessoas, as de hoje e outras que ainda não conhecemos, vão se reunir em outra sala e se esparramar em outros sofás. Algumas histórias serão as de agora, outras, novas, vão se somar a essas e as risadas, essas sim, serão as mesmas.

O Natal muda com as pessoas que passam e chegam. As histórias, porém, ficam, e com elas o espírito desse Natal que, passe o que passar, vai ser sempre deliciosamente Natal.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Beatles

Os Beatles são mesmo uma coisa doida.

Esses dias fui a um show da Cia. Filarmônica de São Paulo tocando “The Beatles Songs” e fiquei boba de ver a reação da platéia. Para começar, era a platéia mais heterogênea possível, com uma galera da idade dos meus pais (50 e poucos a 50 e muitos), mas também com uma quantidade enorme de pessoas de todas as outras idades: 8 a 80. Os tipos eram igualmente variados e iam dos mais estranhos, roqueiros e alternativos, aos modelos da família feliz tradicional papai-mamãe.

Na fila em frente à minha, 7 crianças cantavam todas as músicas enquanto chacoalhavam nas cadeiras e curtiam tudo como se estivessem no show do High School Musical 3 (elas sabiam muito mais letras do que eu). Junto com elas, 2 mulheres ferviam loucamente e pareciam tão crianças quanto a garotada ali ao lado.

Lá pelas tantas, no meio do show, eu tive que parar de fotografar para apreciar, com um sorrisão abobado na cara, aquela coisa doida que era o teatro inteiro balançando nas poltronas, curtindo e cantando junto as músicas daquela banda de 50 anos atrás.

Aliás, só música boa. Duas horas de som genial, muito bem tocado e cantado e com toques de humor. No fim, bis com o teatro todo de pé dançando Twist and Shout, eu inclusive, entre uma foto e outra.


De tempos em tempos aparecem caras assim, que quebram tudo, revolucionam, chacoalham e não passam nunca, mesmo muito depois de terem passado por aqui. Absolutamente geniais.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Barata

Me diz uma coisa: como é que se mata uma barata quase do seu tamanho?

Eu estava de boa em casa, assistindo House e comendo panetone quando o Luke começou a dar looping pela sala, correndo como doido atrás de algo que eu desconhecia mas sabia que boa coisa não devia ser.

Não seja uma barata, não seja uma barata...

É, não era uma barata, era a barata. Jesus. O bicho tinha uns três metros de envergadura e umas antenas parabólicas de arrepiar a sobrancelha (para não dizer outra coisa). Parei tudo e fiquei ali, de pé, pensando que eu teria que criar coragem, sacar as havaianas e macetar aquela coisa nojenta. O Lu, por sua vez, nem tchum para o meu desespero. Estava mesmo é adorando aquele brinquedo novo interessantíssimo que corria desembestado de um canto para outro e que era muito mais legal que a garrafa pet ou o ossinho de couro de boi.

Quando eu peguei o chinelo, ela parou. Deve ter percebido que eu estava em posição de ataque e me encarou, antenas mexendo alucinadamente e a cabeça levantando e abaixando. Estava gargalhando da minha cara, a praga do inferno. Eu só conseguia pensar no crec do impacto do chinelo, no tanto de gosma radioativa que sairia daquela barriga encouraçada e na possibilidade do monstro não morrer e ainda sair correndo para cima de mim.

E então, naquela pausa tensa, no clímax do embate, ela voou.

Que coisa terrível é o barulho de barata voando, gente. Plec, plec, plec para cima de mim e eu só tive tempo de gritar, correr e ver ela entrando no banheiro para descansar as patas horripilantes no vidro do box.

Naquele momento eu desisti. Que covardia: uma barata superdesenvolvida e ainda por cima voadora contra a pobre donzela indefesa aqui. Não tive dúvidas. Fechei a porta do banheiro, coloquei o tapete na fresta para ela não botar as asinhas de fora e deixei a bomba encouraçada para a faxineira matar no dia seguinte.

Fá, tem uma barata gigantesca no banheiro de cima para você matar. Boa sorte. Se você não voltar em uma hora eu mando reforços”.

Agora me diz se a faxineira achou a bicha. Necas. Sumiu a desgraçada e no way que ela foi embora pelo ralo. Um rinoceronte de antenas daqueles não passaria no buraco do ralo. Ela ainda deve estar por perto. A noite vai ser tensa. Por via das dúvidas comprei um inseticida especialmente desenvolvido para trucidar baratas.

Pode chegar que eu estou munida de armas químicas, meu bem. Sem crec, sem gosma, sem contato físico e com mínimo contato visual. Hoje você já era.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Gido

“Eu lembro até hoje de quando saí correndo para abraçar a minha mãe no jardim interno do Centro Médico e blougdblurborb...”

Tudo o que ela disse depois de “Centro Médico” é um bololo para mim. Toda vez que o tal hospital vira assunto ou aparece em alguma conversa, a sensação de ver o meu avozinho pela última vez volta inteira, como se eu tivesse olhado naqueles olhos ontem mesmo, fim de tarde, nos corredores do segundo andar.

Aquele dia foi tão, tão especial. Apesar do susto, apesar de ele estar internado e fraquinho já, apesar de estarmos em um hospital, o que me vem até hoje daquela tarde é o sorriso gostoso, gargalhante, do meu avô querido. Ele estava no quarto, quietinho, meio jururu, até que eu e a minha irmã raptamos a cadeira de rodas (com ele em cima) e saímos pelos corredores, brincando, fazendo manobras radicais e contando as piadas que ele sempre contou para nós. Isso durou o que para mim, dez anos depois, parecem horas, até que paramos em frente ao jardim e ali ficamos, olhando as pessoas e o verde das plantas em total silêncio por uma eternidade. Tudo já estava dito. Tudo já tinha sido dito nas curvas daqueles corredores.

Hoje eu sei que aquela tarde foi a nossa despedida. Do jeito dele, divertida, leve, cheia das piadas fofas que ele contava todas as vezes que chegávamos no apartamento da rua Veiga Filho para os almoços de domingo. A gente sempre ria. A gente ria mil vezes, todas as vezes. Não por respeito ou qualquer outra razão, mas porque elas eram mesmo engraçadas quando ele contava como só ele sabia: sotaque forte, voz rouca, jeitinho carinhoso de vô.

Dois dias depois eu o vi de novo pela fresta da porta da UTI, tubo na boca, corpo exaurido, enrugado, olhos fechados, barulho agudo e angustiante do monitor cardíaco que naquela noite apitaria e faria o telefone de casa tocar no meio da madrugada.

Saudades, gido. Muitas. Imensas. Dos seus olhos, do seu sorriso, dos nossos passeios gargalhantes pelos corredores e de todos os nossos outros passeios gargalhantes por aí.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Contemporâneo

A minha aula de dança contemporânea é uma piada.

Toda terça e quinta fim de tarde é hora de me matar de rir e de quebra mexer o corpitcho.

A turma é ótima: duas ex-professoras minhas que dançam desde que o mundo é mundo e já têm a tranqüilidade para curtir a dança de um jeito mais sussa, um figura engraçadíssimo que só fala besteira e um outro figura meio quieto que chegou faz pouco tempo e ainda se assusta com as nossas porralouquices.

A professora? Olha o naipe:

“Ju, tem que deixar a perna nesse final.”

“Como assim deixar a perna? Como?”

Ela vira, pega um martelo gigante que estava do lado do som e vem na minha direção, instrumento ameaçador em punho.

“Assim ó.”

Só risada, lógico.


O tal martelo, aliás, é figura carimbada nessa aula. Quem já fez contemporâneo sabe que a gente fica bem íntimo do chão nos movimentos. Tem que rolar, escorregar, pintar e bordar deitado, sentado, e qualquer preguinho solto pode fazer um estrago federal. Pois volta e meia um sai da sala desembestado atrás do tal martelo para macetar algum prego desgarrado e é óbvio que isso não passa despercebido e vira motivo de piadas homéricas.

Tudo, aliás, vira piada. A gente passa metade da aula falando besteira e a outra metade rindo do que foi dito. Um completa a zoação do outro e assim a gente segue, feliz da vida. Nem sei como conseguimos montar a coreô do final do ano. E olha que ela é séria, densa, música profunda e sentida.

Na boa, vai ficar linda. Vamos estar compenetrados e preenchidos e sinceros e dançando com a alma, mas lá no fundo, bem no fundinho, vamos estar é gargalhando de tudo que já rolou durante a criação dessa coreô. Isso se ninguém entrar com o tal martelo. A ver.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Chuva

Adoro chuva forte. Pé d’água mesmo, adoro. Sempre gostei. Viro a poltrona para fora e olho a água caindo, nariz no vidro embaçando a vista.

No décimo terceiro andar eu não consigo sentir o cheiro da terra molhada que subia e tomava tudo na casa dos meus pais. Aqui é só o cheiro da chuva, o ar úmido e diferente que anuncia o temporal.

Se não sinto, vejo mais terra do que quase todo mundo. Da minha casa eu observo do alto a casa da cidade inteira ficar molhada, vejo o preto da rua virar prateado, as árvores dançando enlouquecidas a dança que lhes leva as folhas, os frutos e às vezes os galhos. Elas dançam mesmo assim. Felizes.

Eu só fico, só, imóvel, observando tranqüila a transformação das coisas. As pessoas se escondem, os carros param, as luzes somem, o vento canta alto em várias vozes enquanto a minha rua se afoga na corredeira que leva lixo, lava terra, limpa o caminho por onde eu passo toda manhã.

Eu aqui, segura e aquecida me encolho no meu canto enquanto o mundo se chacoalha ao meu redor, sensação de paz no meio da torrente, em pleno vendaval.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Sangria Auricular

Eu já tinha virado uma peneira com aquele tanto de agulhas penduradas pelo meu corpo quando o meu terapeuta virou e disse:

- Hoje eu vou fazer uma sangria auricular em você.

Imediatamente eu imaginei meia dúzia de sanguessugas se refastelando na minha orelhinha tão bonitinha e a idéia não me pareceu nada agradável. Contei para ele a minha visão da coisa, ele morreu de rir e disse que não tinha nada a ver.

É, eu descobri logo que realmente não tinha nada a ver, mas antes tivesse porque talvez as sanguessuguinhas fossem mais gentis e menos sanguinolentas para com a minha pessoa indefesa ali naquela maca.

Ele fez uma massagem daquelas brabas por toda a orelha, passando por uns pontos tão doloridos que quase que a honra da mãe dele entrou na roda. Depois pegou umas agulhas pequenas (não se iludam com o tamanho, elas fazem um belo estrago...) e disse que teria que tirar pelo menos 3 gotas de sangue de cada ponto. Aparentemente a minha orelha estava precisando disso há tempos e essa tal sangria iria fazer uma bela diferença na minha saúde física e mental, além de aumentar a minha imunidade.

Já no primeiro (de muitos) ponto eu percebi que a coisa ia ser sofrida. Ele picava doído várias vezes em cada lugar, depois apertava, apertava. Não desistia enquanto as três gotinhas não saíssem e eu ali, sonhando com as boas e velhas sanguessugas.

Juro que eu não estava sendo patife. A dor não era a simples dor das picadinhas, ah, quem dera... Era aquela dor medonha que só quem já fez acupuntura auricular conhece, aquela que dói na alma e que te faz xingar até a décima geração do fulano que teve a idéia brilhante de enfiar coisas nas suas pobres orelhas. Para completar, a bendita ainda vinha acompanhada de vários calafrios esquisitos que me percorriam as pernas e os braços e me faziam sentir frio em um dia absurdamente quente.

Sei que no final eu saí de lá completamente grog. Zenzinha mesmo.

Cheguei em casa e a primeira coisa que fiz foi olhar no espelho para ver o tamanho do estrago. Qual não foi a minha surpresa quando eu vi... Nada. Não havia marca nenhuma. O moço fez aquele salseiro todo na minha orelha e não deixou traço de nada. Certeza que isso faz parte da técnica de tortura chinesa...

Apesar do sofrimento momentâneo, acho que a coisa é boa mesmo porque eu estou me sentindo ótima. Passei o dia praticamente flutuando e agora estou até me divertindo com o perrengue que eu passei na hora. Se algum maluco por terapias alternativas quiser tentar a técnica eu recomendo. Vale a pena, o depois compensa o durante e a experiência até que é interessante.


Sado-masos também vão curtir a parada. É só pedir que passo o telefone do terapeuta.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Doce

Não tem coisa mais doce que o sorriso de uma criança. Ainda mais se essa criança for a sua paixão.

Se esse sorriso vier na sua direção cambaleando em um ardarzinho de bêbado (ou da múmia Imhotep, como diria o meu cunhado), aí você vai estar completamente perdido mesmo. Fisgado, de quatro, head over heals.

Você vai esquecer da hora, vai dar risada de tudo, vai achar lindas as manhas quando ela cair para trás fazendo charme, vai se derreter com os olhares marotos de quem aprontou alguma, vai ficar horas conversando tranqüilamente com a pequena, emitindo sons que você não faz a menor idéia do que significam e mesmo assim vai entender perfeitamente tudo, o tempo todo.

Você vai curtir junto cada descoberta, cada nova brincadeira. Vai morrer de rir quando ela apagar a luz e chegar pertinho do seu rosto para fazer graça, e vai continuar achando isso a coisa mais linda e engraçada mesmo que ela se repita por (sei lá...) trinta ou quarenta vezes.

Você vai esquecer de tudo, das suas nóias, das suas coisas, vai esquecer que é segunda-feira e vai voltar rindo que nem um idiota para a sua casa depois da meia noite, querendo que todo dia seja segunda-feira.

Você vai dizer tchau sem querer dizer, vai olhar fundo naqueles olhinhos que não querem que você vá embora e pensar que devia passar muito mais tempo com eles, antes que eles cresçam e mudem.


Eles crescem tão rápido...

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O Senhorzinho

Hoje um senhor se assustou com o Luke, pisou em falso, bateu em um degrau da pracinha e caiu para trás. Eu só olhei enquanto ele caía em câmera lenta na minha frente. Não tive tempo ou iniciativa ou sei lá para fazer nada.

Só depois que ele já estava estirado no chão, cotovelo ralado, roupa toda suja de terra, é que eu saí do transe e fui ajudar. Tadinho, ficou todo assustado, desorientado mesmo. Deu dó de ver aquele senhor, de idade já, calça social, camisa, sentado no degrau sem saber o que fazer. Ele me lembrou o meu avô. Mesmo jeitinho, mesmo olhar.

Dez segundos depois já havia quatro pessoas além de mim oferecendo ajuda para ele e perguntando se estava tudo bem. Pegamos as coisas do chão, conversamos, acalmamos. Ele puxou o lenço do bolso, daqueles lenços de vô, e limpou o sangue do braço devagar. Olhou para mim, para as pessoas, enxugou o suor do rosto e tentou levantar. Cambaleou, as pernas falhando. Nada feito. Caramba. E eu longe de casa sem poder fazer nada. Foi então que um casal cheio de compras penduradas se ofereceu para levar ele em casa. Correram até o outro lado da rua, entraram, deixaram tudo por lá e dois segundos depois apareceram com a chave na mão, todos preocupados. O senhorzinho entrou no carro com a nossa ajuda, lenço no cotovelo, as pernas durinhas... Que dó.

Pelo menos ele estaria logo em casa, o esfolado vai sarar, o nervoso vai passar, o sangue do lenço vai sair na água e ele vai ficar bem. De permanente só a lembrança do susto.

Apesar de tudo voltei para casa com uma sensação boa. Existe mesmo gente do bem nesse mundo. Algumas pessoas, perdidas por aí. Como aquele casal que parou tudo para levar um senhorzinho desconhecido em casa, no meio do dia, em plena quinta-feira. É só uma questão de encontrar.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Será?

Um novo nome. Cheio de possibilidades.

Será que esse nome ainda vai me ser especial? Será que o seu som, o formato dessas letras combinadas vai fazer a minha respiração mudar, acordar as asinhas adormecidas no meu estômago ou me fazer sorrir sozinha na frente do computador ou pendurada no telefone no meio da madrugada?

O que faz de alguém a pessoa mais importante da sua vida? Qual o momento exato em que tudo muda?

Será que esses olhos vão acordar com os meus nos domingos de manhã? Será que ficarão comigo, nos meus sonhos, mesmo depois que forem embora? Será que a minha vida vai ser diferente por causa deles? Será que eles ainda vão olhar para mim doces ou carregados de milhares de perguntas quando eu menos esperar? Será que esses olhos ainda vão chorar por mim? Ou comigo?

Será que eu vou levar essas mãos para passear nas minhas? Será esse o número que eu vou discar quando tiver algo de novo e importante para dividir com alguém? Será esse o nome que eu vou sussurrar ou gritar sem pensar?

Será?

Será que esses serás vão me acompanhar a cada nova possibilidade?

Quando será que esses serás vão deixar de ser?

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O Ogro do Banheiro

Não tem gancho para pendurar a bolsa.” Soltou fula da vida a mulher no banheiro ao lado do meu. Fula mesmo. Eu podia praticamente ver a fumaçinha negra subindo da cabeça dela por cima da divisória.

E continuou. “O que eu faço agora sem lugar para pendurar essa bolsa?” O tom de voz aumentando enquanto eu ouvia ela se mexer sem parar, super incomodada.

Eu fazia cara de ué no cubículo ao lado. Gente, pra quê tanto furdunço por tão pouco? Bota no chão, pendura no ombro, na fechadura, sei lá. Vale mencionar que o banheiro era do teatro. Estávamos de boa esperando para assistir a um show de música que prometia ser fantástico. Eu estava de boa, já a criatura...

Ela continuou bufando, até que alguém do lado de fora se ofereceu para segurar a tal bolsa e recebeu como resposta alguma coisa ininteligível, que eu interpretei como sendo “não, humpf, deixa prá lá, grrrrr, eu me viro.”

Eu só ouvindo do lado de cá, usando a minha melhor cara de credo gente, eu ein. Pelos ruídos emitidos, a dona aparentemente conseguiu vencer o desafio terrível de fazer xixi segurando a própria bolsa. Deu descarga, abriu a porta, foi lavar as patinhas.

“Não acredito. Não tem papel para enxugar a mão. Mas que droga. Viu só, é por isso que não se tem cultura nesse país. O jeito é ficar em casa assistindo TV de baixa qualidade. Humpf.”

Eu me apressei para sair a tempo de ver a cara da fulana. Não deu. A cara dela na minha cabeça teria que continuar sendo a da minha imaginação mesmo, uma dessas bem encruadas, mal humoradas, amarguradas e tudo que é ada que se possa pensar. Ôxe. O marido da criatura (se é que ele existe) já deve ter pago todos os pecados dessa e das próximas trocentas vidas.

Voltei para o teatro para ver um show incrível, delicioso, e esqueci, obviamente, do ogro do banheiro. Curti horrores o som maravilhoso, os músicos, letra, música e entrelinhas. Chorei, até. Lindo mesmo.

Eu até concordo com a fulana mauhumordoinferno que a estrutura cultural nesse país não é lá uma maravilha, mas coisas assim valem definitivamente um xixizinho sem gancho de bolsa e uma enxugada de mãos na calça jeans.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Mateus

De olho na câmera ele sorriu para mim, de novo e de novo, olhar de menino peralta entre duas garotinhas, uma de chapéu florido, outra sem. Elas sem cabelo, ele com uma pequena falha na parte de trás.

Há 50 dias recebendo terapia intensiva contra o câncer recém descoberto, Mateus ainda tem a energia que falta aos pequenos e pequenas veteranos no tratamento. Reunidos todos em uma sala da seção de radioterapia do hospital para assistir ao show da minha querida amiga Tatiana Rocha, o que se via era um mix de olhos atentos, boquinhas com sorrisos cansados, pais com sorrisos momentaneamente aliviados e o riso de Mateus. Aberto, matreiro, infantil.

Fora de casa desde que começou o tratamento, conhece todo mundo na recepção do hospital, brinca com funcionários, pacientes, brinca com sua mãe e sem entender direito o que se passa, ainda acha tudo aquilo uma grande brincadeira.

Adorou o show. Riu, gargalhou, cantou, ficou maravilhado com os bonecos e, no final, dançou. Acontece, gente, que ele não consegue andar. Não mais, me disse a mãe. Precisa de ajuda para se locomover, precisa de apoio, de colo.

Ontem esse garoto dançou.

Preciso dizer mais alguma coisa sobre o show? Não. Nada mesmo.

Parabéns, Tati. O trabalho é lindo e ontem vocês fizeram a diferença para muita gente por lá, eu inclusive.

Justificadíssimas todas as lágrimas daquele teu desabafo.

“Para afastar a tristeza o negócio é dançar tango com o saci-pererê
Chama o gato de alice para tomar ponche assim ninguém vai ver
Mas põe pra fora teus demônios faz a grande serenata
Sai cantando pelo mundo chutando lata
Para tudo tem uma solução
Se tem medo pega em minha mão.”




Link para as fotos: http://picasaweb.google.com/jujuhilal/CantancasNoBoldrini?authkey=9-M9suyULLM#

domingo, 2 de novembro de 2008

Ser

Vou participar daqui a alguns dias do espetáculo de uma instituição para crianças com necessidades especiais. São principalmente autistas, mas existem alguns com síndrome de Down e dificuldades físicas e motoras.

O trabalho é inspirador. Esse é o terceiro ano que eu faço isso e acompanhar a superação daquelas crianças e a alegria com que elas participam do espetáculo é uma lição imensa. Maior ainda a lição dos pais que têm suas vidas completamente transformadas por aqueles pequenos especiais e se doam completamente, aprendendo junto com eles.

Eu me emociono super e umas lágrimas sempre escapam na coreografia do bailarino cadeirante Samuel e na dança das mães com os bebezinhos de colo. Arrepia mesmo, só de lembrar.

Esse ano vou fazer algumas poucas cenas e cantar três músicas, uma delas em um andaime a 4 metros do chão. Como se não bastasse, vou ser içada até o alto em uma cadeirinha de rapel e lá ficar, balançando e fazendo movimentos X que eu ainda não descobri quais são. Medo. Muito medo. A verdade é que altura e eu nunca nos demos muito bem. Pensei muito antes de aceitar essa coisa toda longe do chão mas, quer saber? Hora de vencer alguns medos. Vou fazer. Me borrando, é verdade, mas vou fazer.

Quinta tive meu primeiro ensaio e fui apresentada ao Daniel, o aluno que vai me pegar no colo, balançar e colocar na cadeirinha de rapel. Sempre que existe uma interação maior com eles é importante a identificação, a confiança. Eles precisam estar à vontade para que as coisas aconteçam. Pois bem, cheguei, dei a mão, abracei, “oi, tudo bem?” Ele me cumprimentou todo sério, distante, e assim continuou. Não gostou de mim, pensei.

Mais tarde, no almoço com os professores: “Logo que você entrou na sala e eu disse para o Daniel que era você que ele ia carregar, ele botou a mão na cabeça, fez uma cara de medo e disse - A Andressa vai me matar.” A noiva dele, gente, aluna também. Ciumenta que só ela, ia ficar fula da vida por ele me carregar no colo e fazer a cena comigo. Pode? Vou ter que me comportar direitinho. Estou de boa de me atracar com a Andressa no meio do espetáculo.

Dependendo do andar da carruagem, estar içada a 4 metros do chão talvez não seja de todo mal, afinal.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Genivaldo

- Alô.

- Ô Genivaldo...

- Ãh?

- É o Genivaldo que tá falando?

E lá eu tenho voz de Genivaldo, minha senhora????

- Não... Acho que você discou o número errado.

- Ah. O número é XXXX?

- É, o número está certo mas não tem nenhum Genivaldo aqui.

- Tem certeza?

Como assim “tem certeza”? Eu definitivamente me lembraria de um Genivaldo.

- Tenho. Desculpe.

- Ai meu Deus. E agora, como é que eu vou achar esse homem?

Silêncio. O que é que se diz numa hora dessas?

- Eu só tenho esse número...

A voz do outro lado foi ficando trêmula, embargada. Eu acho que ouvi um soluço.

Coitada. Desligou toda jururu e eu ali, parada, com raiva de um Genivaldo que eu não faço a menor idéia de quem seja.

Coisa feia, moço. Dá um perdido na mulher e ainda deixa o meu número para contato com tanto telefone nesse mundo? Se a moda pega... Ah se eu acho esse Genivaldo.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Sopa de ex

Aquilo estava muito interessante.

Uma profusão de exs. Ex da ex, ex da atual, atual da ex, ex amante, ex ficante, ex ex. Tinha ex de todos os tipos, cores e tamanhos, tudo em volta da mesma mesa, respirando o mesmo ar viciado naquele calor de 40 graus. Todo o mundo rodeando, ciscando, dividindo o mesmo metro quadrado em um bar enorme, cheio de gente. Engraçada essa tendência à aglutinação dos exs.

Tinha também ex amiga, ex melhor amiga, ex arquiinimiga, todas circulando cuidadosamente para evitarem o desagradável encontro frontal direto. Encontros frontais diretos são perigosos, desbancam a dissimulação, espantam o silêncio, trazem de volta sensações e obrigam à tomada de atitudes. Melhor não, pensavam. Melhores os olhares de esgueio lançados não tão disfarçadamente, acompanhados dos respectivos comentários em off.

Eu olhava ao redor e pensava na estranheza da situação. Um experimento antropológico riquíssimo, um caldo essencial de rusgas em um equilíbrio precário prestes a ser rompido por qualquer faísca. Na idade da pedra ou em uma tribo indígena, aquelas pessoas estariam rolando na terra, arrancando os cabelos alheios e resolvendo as pendengas na unha. Civilizados, passeavam olhares recolhendo munição para ataques verbais poderosíssimos, mais perigosos que qualquer luta corporal.

Eu, parte fundamental de uma das histórias mais cabeludas da roda, circulava alheia às pressões ao redor, tranqüila, sóbria, sussa, me divertindo com aquela conjunção improvável de pessoas que certamente demoraria outras tantas décadas para voltar a acontecer. Cheguei, vejam só, a ganhar o troféu diplomacia de um amigo queridíssimo e antenado, surpreso com a minha passagem ilesa por um campo minado dessas proporções. Estou de boa dessas pendengas. Mesmo. Muito pouco me afetava por ali. Quase nada. Que bom.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Aquela Noite

A mão da minha avó no meu braço esquerdo, minha sobrinha no direito. O Luke e o cachorro do vizinho à frente cheirando e regando todos os cantos do caminho. Meu pai assobiava entre uma e outra piada infame, daquelas que só ele sabe contar. Eu sorria um riso calmo, sem esforço, enquanto me apropriava daquela sensação. Que noite.

Eu sou apaixonada pela minha avó desde que nasci e pela minha sobrinha desde que ela nasceu. Meu pai é um dos meus grandes ídolos, exemplo, companheiro, grande homem. Meu cão é uma alegria constante, amor puro, incondicional.
Que família linda.

Eu segurava forte o braço da minha avó, fechava os olhos e pensava que eu não queria que aquele passeio acabasse nunca. Eu queria que aquela noite ficasse comigo para sempre, calorzinho bom no peito e paz de me sentir em casa.

O tempo passou e a noite acabou como tinha de ser. De alguma forma, porém, ela vai ficar comigo. O braço da minha avó querida, o sorriso da pequena, o assobio do meu pai e a alegria do Lu vão sempre estar ali, naquele passeio, todo o tempo que eu quiser, todas as vezes que eu assim desejar.

Os sentimentos que as pessoas nos trazem, uma vez sentidos, são nossos, estejam elas conosco ou não. Os sentimentos são eternos enquanto quisermos que assim sejam. Essa noite vai ser. Ela, aquela paz e o tal calorzinho no peito. Alguns momentos são tão simples e tão inesquecíveis.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Massagem

Eu gosto tanto de massagem que tenho a mania de ficar na maca calculando quanto tempo falta para terminar. Hummm, já foram as costas e a perna direita, ainda falta a esquerda, os braços, a parte da frente, o pescoço... Isso se repete várias vezes durante a sessão e é uma praga porque, ao invés de relaxar e curtir, eu fico angustiada porque uma hora vai acabar.

Eu sei, maluca. Novidade.

A mesma coisa acontece com um livro bom, um filme que eu estou adorando, um episódio das minhas séries favoritas, um doce delicioso. Fico contando as páginas para ver quanto falta, fazendo o cálculo dos minutos do filme, do episódio, das colheradas, e ao invés de simplesmente aproveitar, sofro porque estão terminando.

Hoje cansei dessa neura e resolvi fazer diferente. Deitei na maca e coloquei na cabeça que não ia pensar em nada que não fosse a sensação das mãos do terapeuta na minha pele desfazendo os nós do meu corpo. Eu iria simplesmente sentir e curtir, enquanto durasse. Foi a melhor massagem ever. E acabou, lógico. Tudo sempre acaba. Dêrrr. Agora, a sensação que ela deixou, isso não passa. Não passa também a expectativa das outras sessões que virão. Tão boas ou melhores do que a que passou e é esse o grande barato.

Que me sirva de lição para todo o resto. Livros, filmes, episódios, séries, doces, paixões e quase tudo de bom nessa vida, acaba. Isso é certo. Tão certo como isso é o fato de que novas coisas virão e serão deliciosamente boas, ainda que de formas diferentes. Basta curtir com leveza, guardar as lembranças e viver a vida deitando na maca e aproveitando a sessão do jeito que for, inteira, dure o que durar.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Panetones

Os panetones chegaram.

Caraca.

Acabou 2008.

Alguém sabe me dizer para onde foi esse ano? Ontem mesmo eu estava na areia de Copa curtindo os fogos e torcendo para nenhuma bala perdida me acertar e agora isso. Panetones. Malditos panetones que trazem com eles luzinhas, bolinhas, papais noéis e árvores de plástico, que trazem uma comilança desenfreada, banzo, mais comilança, festa e pronto. Dali a pouco 2009 já era e lá vêm os enxeridos dos panetones de novo.

Dizem que essa sensação de que o tempo anda cada vez mais rápido vem da velocidade da batida do nosso coração que diminui ao longo da vida. Por exemplo, uma abelha vive poucos dias mas o seu coração bate tão rápido que para ela os tais poucos dias são como se fossem anos. No nosso caso, quando somos crianças nosso coração bate muito mais rápido, criando a sensação de que o tempo anda mais devagar. À medida que envelhecemos, nosso coraçãozinho vai ficando preguiçoso, batendo mais lento, lento... Dá no que dá. Um ano passa que nem se vê.

No meu caso, acho que o meu coração se mudou para o nordeste e está batendo no ritmo de garçom baiano de quiosque de beira de praia às 3 da tarde depois de ter comido moqueca. Lerdinho, lerdinho. Só se for.

As coisas não cabem mais no meu pacote de 24 horas. Preciso de horas extras, um plano mais generoso, talvez com dias com o dobro de horas e anos com o dobro de dias. Quem sabe assim encontro de novo aquela velha tranquilidade dos tempos em que os panetones só apareciam quando realmente tinham que aparecer e o Natal demorava anos para chegar.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Fim de Festa

Fim de festa. Não dá para perder por nada, gente. Ainda mais com os amigos que eu tenho. Às vezes eu estou ali, pregada, morrendo de sono, 5 horas da matina cercada da galera bêbada, mas não arredo o pé. Quando arredo, acabo perdendo alguma coisa e me arrependendo depois. Os meus amigos são especialistas em gran finales.

O último foi impagável. Degustação de vodkas Absolut. Imaginem o estado do povo às 4 horas da manhã. Imaginaram? Piorem um pouco. Não se falava mais coisa com coisa e as pessoas, umas 8, estavam todas amontoadas em três cadeiras até que um casal resolveu nadar. Um casal não, o casal. Eles estão sempre no meio dos bafos mais divertidos.

Correram desembestados em direção à borda da piscina, vestido, calça e camisa ficando pelo caminho. As conversas pararam e o foco mudou, o show estava começando. A platéia nem piscava, só ria alegrona e fazia a ola de tempos em tempos. Foi então que ela tirou o sutiã. Nesse momento a audiência foi ao delírio e só se ouvia murmúrios de “oooohhhh”.

Para completar, no momento perfeito, surgiu o pai do meu amigo, o dono da casa. Foi-se o sutiã, chegou o pai, que obviamente se interessou pela cena e se juntou à platéia embasbacada e gargalhante com o timing perfeito daquela conjunção.

Para a decepção da arquibancada, não sei se constrangido com a presença inesperada do dono da piscina ou se desencorajado pela brisa gelada da madrugada, o casal desistiu do mergulho e fez o caminho de volta para a platéia, roupas retornando para os seus devidos lugares e cara de quem precisava beber mais.

Naquele momento eu pensei, OK, acabou o show, é tarde pra caraca, tenho que pegar o Lukinho, vou me mandar. Comecei a despedida e todo o mundo dizia: “Não vai ainda, você vai perder algum bafo, fica mulher.” Eu respondia que o bafo já tinha sido. Fui. Ãhã. Vai vendo. Depois que eu saí o casal voltou a tirar a roupa mais uns pares de vezes, pulou na piscina, nadou sem sutiã, dançou loucamente, ela sem sutiã, de fio dental com strass de frente para a platéia e ele de cueca, sutiã na mão girando em cima da cabeça até amanhecer.

Perdi. Para aprender. Fim de festa, meus queridos, dessas festas, definitivamente não se perde.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Ringo

Sábado comprei o primeiro presente de dia das crianças da minha sobrinha.

Na era dos brinquedos hi-tech cheios de parafernália eletrônica, fogos de artifício, sons alucinantes e efeitos especiais, eu escolhi o cavalinho de madeira que balança. Não tive nem dúvidas, optei pela simplicidade do Ringo (esse é o nome que eu dei para ele por causa de um Mangalarga simpaticíssimo que eu adorava) e confesso que a saudade falou bem forte na minha escolha.

Quando éramos pequenas tínhamos um cavalinho assim. Azul com pintinhas brancas e um nome que vivia mudando conforme os cavalos de verdade que a gente ia conhecendo. Foram horas e horas e dias e anos em cima daquele cavalinho. Quantas estradas de terra, cercas de madeira, rios bravos e campos de capim alto não foram percorridos naquelas brincadeiras. O cavalinho não decepcionava jamais. Nós é que decepcionamos o coitadinho quando paramos de ver graça naquelas cavalgadas e substituímos o vento imaginário nos olhos por outros tipos de diversões.

A Larinha precisava ter um cavalinho assim, de preferência dado pela tia aqui. Me apaixonei por ele na loja e levei para casa toda contente. Não via a hora de entregar para a piquita e rasgar aquele papelzão todo junto com as mãozinhas gorduchas da baixinha. Ela não me decepcionou.

Sentou toda valente no bichinho, segurou nas “rédeas” e curtiu o balanço que a gente providenciava, já que os pezinhos fofuchos ainda não alcançam o chão. Nas paradas ocasionais pelas cocheiras, a amazoninha chacoalhava o corpitcho pedindo mais.


Esse presente ela vai definitivamente curtir sem cansar pelos anos afora, pelas estradas de terra, pelos campos de capim alto, vento no rosto junto com a tia, seguindo logo atrás.

Sobre pessoas e gatos

O gato chorava a separação da mãe. Gritava alto sabendo que ia para nunca mais.

Eu ouvia e pensava que esse mesmo gato desesperado estaria em alguns dias feliz, satisfeito e perfeitamente aconchegado na casa do estranho, que em breve seria sua, e ele, seu companheiro fiel.

Quantas vezes já não fui o gato desesperado. Outras tantas fui aquele feliz e aconchegado, tendo percorrido o caminho que inevitavelmente existe entre um gato e outro. Tudo parte das nossas sete mil vidas.

Hoje, agora, não sou nem um nem outro. Sou o gato passeando rebolante, curioso, no meio do caminho.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Sobre meninos e cães

Fui passear com o pequeno e acabei parando um tempão para ver dois meninos brincarem com um cachorro malhado e um pano velho. Pano pra lá, pano pra cá, risada para todo lado, cão se esbaldando, lambendo e pulando e fazendo a alegria dos três, os garotos e eu.

As crianças e os cachorros têm uma sintonia incrível.

Essa coisa linda de brincar por brincar, sem pretensão nenhuma ou preocupação. Riso solto, fácil, inocente, desprendido. Riso do agora, da brincadeira e só. Tão bom de se ver. E reaprender.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Demo...cracia

A idéia da democracia é fantástica. Coisa de grego, como aliás, quase tudo de realmente brilhante da nossa civilização ocidental.

O problema é que a forma como ela está organizada é uma verdadeira piada de mau gosto.

Há algumas semanas saiu uma matéria em um jornal americano em que o repórter perguntava a opinião da galera a respeito dos programas do Obama e do McCain para saúde pública, educação, incentivo à economia e coisas do gênero. Necas, o povo não tinha a menor noção. Pois não é que quando ele perguntou sobre a gravidez da filha adolescente da Sarah Pallin, candidata a vice na chapa do McCain, todo o mundo sabia em detalhes do que se tratava e tinha uma opinião mais do que formada sobre o assunto?

Agora me diz se o povo não é retardado. Eles vão ter daqui a um mês que escolher o cara que vai decidir o futuro deles, que vai tomar decisões importantíssimas que vão afetar não só os americanos mas o mundo todo e os tapados não fazem a menor idéia de que tipo de mané estão colocando no cargo.

O mesmo acontece por aqui. O povo sabe nadica de nada dos programas e está pouco se lixando. O voto acaba indo para o bonitão, o simpático que apertou a mão do tiozinho, que pagou uma parte do telhado da dona, que prometeu construir um dia a passarela perto da casa do seu Zé e por aí vai. Conhecer, mesmo, os programas de governo ninguém conhece. Dá para cobrar depois? Lógico que não. Para complicar tudo ainda mais, existe por aqui um hábito mega incômodo dos nossos maravilhosos políticos que é de usarem o dinheiro público como se deles fosse. A tchurma da vida boa rouba mesmo, favorece amigo em licitação, aprova emenda na base da mala de dinheiro, emprega irmão, tio, vizinho, calopsita e o que mais der para encaixar no gabinete. Uma malandragem sem limite.

Adianta a idéia bonita da democracia? Nope. E o pior de tudo é que eu gosto de votar. Gosto mesmo. Me agrada essa coisa de ser cidadã, de expressar a minha vontade e a minha opinião, de ver o meu nome no livro de votação exatamente como o de todos os outros brasileiros, todos idênticos, do mesmo tamanho, recebendo o mesmo papelzinho, independentemente de serem famosos, ricos, empresários ou serventes.

Pena que esses cidadãos, todos iguais, sejam tão igualmente desinformados a respeito dos valores e das idéias que realmente importam na escolha de um candidato, e uma pena ainda maior que esses políticos malditos ignorem que são brasileiros e servidores do público e passem os seus mandatos a sacanear em tudo e a todos com o único objetivo de colocar o burro na sombra para o resto da vida.

Ah se os gregos soubessem onde isso tudo iria parar... Rasgavam a camisola branca.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Xabu

Ela é a ex-namorada da atual namorada da minha ex-namorada.”

Ele me disse isso assim, como quem conta que a banana tava feia no supermercado. Ah os dias de hoje...

Jura, e você tá saindo com ela?”

“Tô...”

“Sei...e...???”

“E o quê? Ela é legal. Na verdade as três são grandes amigas hoje em dia.”

“Sei...e você no meio...”

“É...mais ou menos no meio.”

“Ãhã...e...???”

“E o quê?”

“Por que você não vende os direitos da história pro Almodóvar?”

Ele riu. Acho que percebeu o absurdo da coisa toda. Tem gente que gosta de complicação. Sabe que vai dar xabu e mesmo assim, pula de cabeça. Não dá para dizer dessa água não beberei, mas euzinha aqui, na medida do possível, tô fora. Xabu assim é bom no cinema e só.

domingo, 5 de outubro de 2008

A Flor

A mulher estirada na rua. A flor violeta, há pouco apanhada, contrastava com o escuro do asfalto e fazia com o vermelho uma estranha composição. A criança soluçava e tremia na calçada, os olhos vidrados na flor.

A flor que era para ela. Tão bonita aquela flor. Tão linda que atraiu dois pares de olhos e um sorriso largo da boca menor. “Olha mamãe, a flor parece você”. Os olhos de mãe brilharam e um sorriso se virou para os olhos pequenos, brilhantes, e lá permaneceu quando trilhava o caminho da flor. E cresceu, contrastando o seu branco com o violeta no caminho de volta, interrompido.

Olhos de mãe não enxergaram e pararam de brilhar. Opacos, virados para a flor.

Olhos de criança enxergaram tudo e, opacos que se tornaram, brilhariam somente quando molhados, muitas vezes depois.

A mãe não mais seria. Ela morreria tantas vezes quantas os opacos olhos de criança vissem flores, violeta, carro, vermelho, asfalto, sorrisos de mãe.

A criança jamais seria o que teria sido se não fosse a flor.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A Lu

A Lu é a minha faxineira, uma figura que casou com um amigo da filha 19 anos mais novo e que paga o dízimo na Universal religiosamente apesar das minhas indignadas manifestações. Simples que só ela, fala tudo errado e escreve pior ainda. Vocês precisavam ver os hieróglifos que ela deixa para mim na porta da geladeira.

Toda sexta chega alegrona e já vai direto ferver com o Luke que é louco por ela. Essa parte da ferveção dura lá a sua meia hora enquanto ela me atualiza de uma parte das novidades da semana em Hortolândia. A outra parte ela me conta durante o café que já virou rotina: café de sexta tem que ter histórias da Lu e todas as risadas que as acompanham invariavelmente.

E que histórias. Algumas eu tive a brilhante idéia de anotar. Outras, e isso é uma pena, já eram. Não ficou nem uma vaga lembrança nessa minha memória de tilápia. O que sobrou eu resolvi registrar aqui. Histórias da Lu nas palavras da Lu:

- “Ju, eu tive um patrão que era um pedaço, sabe. Uns pernão que só Deus. Era médico, ainda por cima. A gente se adorava até que ele resolveu arrumá uma muié que é o demônio. Nunca me aturou, a mardita. Me atazanava a vida tanto que eu resorvi caí fora. Num dá, Ju, ela ciúma muito dele até hoje.”

- “Esses dia teve a inauguração de uma obra lá perto de casa e o Serra foi fazê a cerimônia. Precisa vê que bonito que foi. Meu marido pagô manicure, pedicure e cabelo pra mim e ainda me deu uma calça de setenta real. Nunca tinha vestido uma calça nova de setenta real, Ju. Me arrumei toda e fiquei linda. Cê sabe que eu gosto de fica toda perua, né? Fiquei tão emocionada que até chorei quando o Serra chegô. Eu amo o Serra, Ju.
- Jura Lu? Por que?
- Sei não. Acho que é porque ele parece com o meu avô...”

- “Eu acabei com tudo as minhas coisas de banco. As loja rouba a gente. A C&A? Nóis compra uma calça de cinqüenta real e ela custa duzentos se juntá tudo as prestação do cartão. Fiquei tão braba que cheguei pro moço e disse prá picá o cartão em um monte de pedacinho. Ele assustô e disse que não podia. Falei: pode picá. Ah não, Ju, eu tenho ciúme do dinheiro que eu ganho.”

- “Ju, o maridão colocô prá trabalhá uma camiseta com uns escrito em inglês que nóis compramo na igreja e um cara que disse entendê das coisa falô que o que tá escrito lá é coisa do demo. Eu disse pra ele que não pode sê, já que foi o pastor que vendeu pra nóis mas ele teimô que teimô e o povo tá tudo cabrero. Eu trouxe aqui copiado as palavra pra ocê me dizê se é mesmo.
[No Sacrifice, No Success]
- Hahaha. Pode ficar tranquila que não tem nada de demo aí, Lu. Só diz que sem sacrifício não se tem sucesso. Pode falar para o pessoal.
- Mesmo Ju? Tem certeza?
- Mesmo. Nada a ver. Pode ficar sussa.
- Ai meu Jesuis, graças a Deus. Eu falei prá ele que essa coisa de Sacrifice não era o que eles tavam pensano... Eu gosto tanto de conversá coceis que têm estudo que oceis esclarece a gente.”

Há umas três semanas ela veio me dizer que estava com umas coisas estranhas no útero e que iria fazer uns exames. Fez. Ecografia atrás de ecografia, teste disso, do outro e o resultado foi que os médicos ficaram preocupados e resolveram marcar uma cirurgia para tirarem os cistos. A psicóloga foi dar a notícia para ela com todo o cuidado e sabem qual foi a resposta? “Ih minha filha, pode tirá tudo, deixa só as tripa, o cérebro e o coração que do resto eu num preciso mais.” Em vinte e tantos anos de profissão a mulher nunca tinha recebido uma resposta dessas. Coisas da Lu.

O tempo passou e a cirurgia vai acontecer. Hoje. A Lu vai ficar um tempão sem aparecer por aqui e as minhas sextas vão ser bem menos divertidas até a sua volta. Sem problemas, eu espero. Boa sorte, Lu. Que saia tudo bem e que você volte inteirona, mesmo que só tripas, cérebro e coração. Com um coração desse tamanho o resto não vai fazer mesmo muita falta.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Círculo no Curta

“Ju, eu gostei muito de um texto seu lá do blog, o “Círculo”. Tô pensando em usar como linha narrativa no meu novo curta, você autoriza?”.

Ele me pegou de surpresa. Adorei a idéia, lógico, o que me surpreendeu foi o texto escolhido ser justamente, o “Círculo” (
http://retalhosdejulianahilal.blogspot.com/2008/06/crculo.html). Sabe uma coisa que você escreve em um momento muito particular, inspirado por uma situação única e com um destinatário certo, só seu? O “Círculo” é assim. Foi inspirado por algo tão especificamente meu, tão singular e diferente de tudo o que as pessoas normalmente imaginam que a idéia do curta foi realmente uma surpresa.

É muito louco isso de você colocar no mundo uma coisa e de, uma vez fora de você, essa coisa ser interpretada de formas tão distantes da sua, tão múltiplas e díspares quanto as pessoas que a absorvem, digerem, somam aos seus eus e a transformam. Cada leitor cria o seu Círculo, que nada, mas nada mesmo, tem a ver com o Círculo original, aquele que eu redigi. Esse é, na verdade, o grande barato da coisa.

Volta e meia as pessoas me perguntam sobre a minha real motivação para escrever aquilo e eu rebolo, rebolo e não digo. Digo que prefiro não dizer. A minha motivação, o meu destinatário foi somente o gatilho da criação. Serve a mim e só. Para quê restringir a sua leitura e o seu livre entendimento? Eu quero mais é que o Círculo seja tão meu quanto seu, quanto do meu amigo cineasta, quanto das pessoas que assistirem ao curta, quanto dos leitores do blog e de onde mais ele circular.

Fato é que se a minha real motivação fosse conhecida, o texto certamente não seria usado como linha narrativa do curta, ao menos não de um curta dessa natureza. Três pessoas além de mim sabem do seu significado original, os demais lêem e imaginam. Os que me conhecem, tentam encaixá-lo na minha história, os que não, viajam. Outros tantos verão o curta e pensarão que aquelas palavras foram escritas tendo em mente as imagens projetadas. Melhor assim. Que a arte seja mesmo múltipla, instigante e metamorfoseada a cada novo participante desse projeto a tantas mãos, que se inicia na criação e nunca, jamais, se encerra.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Murphy

Que Murphy gosta de tirar um sarrinho da cara da galera, isso não é novidade nenhuma. Agora, da minha cara, em particular, ele deve ter um prazer especial. É impressionante a quantidade de vezes em que o danado me sacaneou bonito.

Estava eu aqui, tentando lembrar de algumas das situações em que ele gentilmente se intrometeu no meu caminho, mas infelizmente, como de costume, a minha memória me deixou na mão. Tudo bem. Eu lembro da última, fresquinha, que me fez inclusive abordar esse tema fantástico por aqui. Olha só.

A coleira do Luke que fica dentro do carro sumiu. Não é uma coleira comunzinha, daquelas com a corda micha e a faixa do pescoço. É uma cheia de triques, com mola, 5 metros de extensão, coletinho para não apertar o pequeno... Um ó. Procura que procura que procura, vira o carro do avesso, olha em baixo dos bancos, dos tapetes, no porta luvas, porta malas, porta trecos. Nada. Escafedeu-se. Vai entender... A coisa só saía do carro para envolver o corpinho fofo e alvo do baixinho e depois voltava para o aconchego do banco de trás.

Esperei dois dias em que as buscas se intensificaram. Toda hora que seria a do passeinho na praça, só dava eu fazendo acrobacia para olhar tudo que é canto onde a danada poderia ter se espremido. Necas. OK, OK, a bicha deve ter caído somehow somewhere e eu, quase nada destraída, devo ter saído toda bonitona ainda passando por cima. Desisto, hora de comprar uma nova. Toca ir ao pet shop para escolher uma igual cheia dos balangandãs.

Abri a nova coleira, coloquei no Lu, levei ele pra lá e pra cá, xixi, cocô, cheira-cheira... Hora de ir embora. Abro a porta e quem está lá piscando para mim?????? Quem? Lógico que era a coleira velha. Uma fofa, toda exibida deitadona do lado do banco do passageiro.

Eu simplesmente parei e, fazer o quê? Ri. Morri de rir enquanto realizava uma reverência para Murphy, O Poderoso. Como pode, gente? Eu tinha procurado naquele mesmo lugar pelo menos umas centas vezes e de repente, do nada, voilá. Aparece a bicha no mesmo dia em que eu comprei a nova.

É sempre assim. Não foi a primeira nem a décima vez. Mesmo que eu tivesse uma memória em funcionamento seria impossível lembrar do número aproximado das incontáveis vezes em que a mais infalível das leis da natureza se aplicou à minha vida. Fazer o quê? O jeito é dar risada, aceitar a magnanimidade do venerável Murphy e seguir esperando pela sua próxima manifestação.

sábado, 27 de setembro de 2008

Crise

É só começar uma crise braba que as pessoas resolvem lembrar que você é economista.

E aí Ju, o que vai ser dessa crise? O que a gente deve fazer?”

Como eu gostaria de ter essas respostas. A verdade gente, é que, economista ou não, ninguém sabe mesmo. A crise mais do que anunciada veio em uma intensidade tal que qualquer um que diga saber o desenrolar dos acontecimentos ou é médium ou é enrolão dos bons. Ou os dois, o que aliás é bem comum.

De todas as piadas de economista que circulam na faculdade, duas ajudam a entender mais ou menos o que se passa num momento como esse. A primeira é que economista estuda para fazer um monte de estimativas para o futuro e depois estuda de novo para tentar explicar o porquê de as tais estimativas não terem dado certo. Qualquer um que acompanhe minimamente o Jornal Nacional sabe do que eu estou falando...

A segunda é que em economia, se a prática não confirma a teoria, abandona-se a prática. Há-há. Parece piada mas tá cheio de economista que não acha isso tão absurdo assim. Bom, isso tudo para dizer que dá até para arriscar alguns palpites sobre o futuro no curto e médio prazos, mas atentem para a palavra cuidadosamente escolhida: palpites.

Nesse caso, a previsão de um economista, apesar de embasada em análises de palavrões como nível de reservas, condições do crédito internacional, preço das commodities, nível de investimento direto externo, balanço de pagamentos, taxa de juros e inflação, está longe de poder ser tomada como verdade.

E como a última coisa que eu quero é ficar falando economês aqui no blog, até porque eu gosto da visita de vocês e sei o dano que isso faria à minha imagem, deixo aqui somente algumas poucas e meio óbvias sugestões para o brazuca comum, pequenininho, passar mais ou menos ileso por essa crise mundial: 1) evite assumir contas em dólar para pagamento futuro, adie o máximo que der até que a situação esteja mais calma e clara; 2) se tiver dinheiro aplicado em ações não saia vendendo agora, espere pois estamos em uma baixa e uma hora ou outra a bolsa vai voltar a subir; 3) se tiver dinheiro para aplicar, comprar agora ações bem escolhidas pode ser um ótimo investimento; 4) as condições de crédito devem piorar com maiores restrições e taxas, portanto seus planos de compras grandes financiadas podem ser comprometidos pelo menos até a coisa acalmar; 5) a inflação pode aumentar e a economia deve esfriar um pouco nos próximos meses, mas quanto a isso não há nada que a gente possa fazer.

Por enquanto é só. Se quiserem saber de coisas para um futuro mais distante, no meio dessa crise e dessa incerteza generalizada dos mercados, uma consulta à Mãe Dinah será provavelmente tão precisa quanto a minha econômica opinião.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Little Yellow

Oi, boa noite. Será que eu e o meu amigo podemos nos sentar aqui para conversarmos com vocês?”

Nós duas estávamos no meio de um papo ótimo, empolgadíssimas com um projeto novo que vai ser o bicho de bom. A gente se olhou dando de ombro por vários intermináveis segundos e acabamos no “tá, tudo bem”.

“Hello, what’s your name?”, soltou ele em um inglês macarrônico na hora de me cumprimentar. Eu pensava quer ver que esse mané vai querer fingir que é gringo para impressionar? Não tive dúvidas.

Que é isso, tá falando inglês por quê? Tá doido?”

Ah, me desculpem. É que eu vivi muito tempo com um gringo e ainda não acostumei a falar só português.”

Ãhã. A essa altura eu já comecei a achar que deixar os caras sentarem ali tinha sido mesmo uma ótima pedida. Aqueles malas provavelmente ainda iriam falar muita besteira durante a noite e render umas boas gargalhadas. Vai vendo.

Você faz o quê?” ele pergunta.

Ih, tanta coisa... Sou economista de formação mas economista é o que eu menos sou. Eu danço, atuo, canto, fotografo, administro um negócio...”

Eu trabalho na EMDEC.”

Na EMDEC? Você não é um daqueles amarelinhos malas, é?”

Little yellow? Não.”

Little yellow???????? Só essa já valeu a noite. Eu fazia cara de what the fuck?, não acreditando naquele figura. Por que é que tinha que falar amarelinho em inglês? Ein?

“Trabalho na administração da EMDEC. Quantos anos você tem?”

Esse cara realmente não passou na fila do tato, nem do bom senso. Já na do xaveco sem noção...

Trinta e dois.”

Você tem os traços fortes. Duvidosos.”

Ele só pode ser pinéu, pensava eu com os meus botões que davam looping de tão embasbacados com o papo nonsense da criatura. Duvidosos???? O quê o filhote de cruz credo queria dizer com isso era um mistério completo para mim.

Sim, duvidosos. Deixa eu tentar explicar... blá, blá, blá.... então, você tem uma opinião que pode mudar dependendo das pessoas do seu grupo e blá, blá, blá... e você não sabe muito bem o que quer e blá, blá, blá...”

Resumindo, o trolha queria dizer que eu pareço uma pessoa indecisa. Tá aí a explicação para o obscuro “duvidosos”. Eu tenho, na opinião do Don Juan de araque, traços de uma pessoa indecisa. Fala a verdade, que cantada fenomenal. A criatura além de ter tato negativo, ainda falava uma retardice atrás da outra tentando usar um palavreado que não lhe pertence. Na cabecinha bem inha dele, “duvidosos” = “indecisos”, então ele decidiu usar a mais bonita das duas. Deu merda, lógico.

Depois disso ele falou tanta besteira que nem dá para colocar aqui. Tudo no naipe das asneiras aí de cima. Impressionante gente, de onde saíram esses seres? No fim, achando que estava arrasando, ele virou para mim e disse:

Você é o meu tipo, mas é muito difícil.”

Eu ria por dentro, ria não, gargalhava de rolar no chão, e pensava... você nem imagina o quanto...

Sou né? Sou mesmo...”

Mas tudo bem, eu vou lá terça que vem só para te ver. Você vai né? Yes or No?”

Yes, eu vou estar lá, mas nem adianta que no, não vai rolar, no matter what. Mas vai pensando que é yes, vai. Just wait and see. Agora, cá entre nós, senta porque vai cansar.

Terapia dançante

Segunda eu fui fotografar o espetáculo de dança de uma academia de Campinas. Estava lá, toda bonitona sentada no corredor central do teatro, bem no gargarejo, câmera on fire, curtindo algumas coisas, outras menos, quando entra em cena uma turma de mulheres mais velhas, nos seus 40 a 50 anos. Eu ria sozinha. Quero dizer, sozinha não porque a platéia compartilhava da minha empolgação, que na verdade era puro reflexo do entusiasmo e da curtição daquelas mulheres no palco.

Elas estavam lindas, espetaculares. Irradiavam uma coisa tão boa, uma alegria tão grande por estarem ali que não havia a menor dúvida de que aquilo era para elas a realização de um sonho antigo. Elas dançavam com um sorrisão tão grande no rosto, com tal prazer em cada movimento, que colocaram os bailarinos profissionais no chinelo. Desculpa tchurma, mas foi.

Eu, que já tiro pouca foto, clicava tudo e queria registrar todas até que, inesperadamente, a minha terapeuta apareceu dançando no visor da minha câmera. Baixei a máquina e estampei a minha melhor cara de . Isso mesmo, a minha terapeuta faz parte da turma da mulherada tchutchuca. Por essa eu não esperava. Jurava que ela vivia lá, atrás daquela mesa de madeira, dia após dia, hora após hora, ouvindo os problemas e as pirações dos malucos de plantão como eu. Que nada gente, ela dança! E como dança. Linda, uma das mais animadas, toda maquiada, toda chacoalhante, toda toda.

Agora eu entendo o sorrisão que ela me abre toda vez que eu falo das minhas atividades artísticas. Eu reconheci aquele sorriso no palco, de batom vermelho sob as luzes amarelas da coreografia. Não é apenas um sorriso simpático, reafirmante, é um sorriso de reconhecimento entre iguais. Que bonito isso. Adorei a surpresa e não vejo a hora de trocar figurinhas com ela sobre a nossa paixão compartilhada.

Como diriam alguns amigos meus, o mundo é mesmo uma ervilha (para não dizer uma gotinha de outra coisa mais gosmenta...). Uma ervilhinha, cada vez menor e cheia de coincidências estranhas, tão estranhas quanto a sua terapeuta dançando no visor da sua câmera de barriga de fora numa segunda-feira à noite. Fantástica ervilhinha.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Coreografando

Coreografar sozinha é o ó, ainda mais quando se tem uma memória de peixe como a minha.

Ligo a música, começo a viajar nos movimentos, me deixo levar... Legal isso, dá prá usar. Paro a música para anotar a tal coisa legal e... O que era mesmo? Vixe, não lembro. Toca ligar a música de novo, percorrer o mesmo caminho corporal, botar no tempo, ou no contra-tempo, toca correr para o caderninho com a música ainda tocando e rabiscar as referências do jeito que dá, antes de esquecer tudo de novo. Ôxe.

Mas não é só isso. Coreografar sozinha é um porre porque você cria o movimento, mas não consegue ver a coisa do jeito que ela é pra ser de verdade. Você olha de rabo de olho, entorta a cabeça e vê alguma coisa no espelho que te pareceu legal, mas vai saber... Bom mesmo é ter um parceiro que te deixa viajar na maionese, olha tudo e depois diz: isso presta, isso é muito bom, abandona, abandona, nem pensar naquela perninha brega e por aí vai.

Sexta-feira eu tinha que coreografar uma cena do musical que passasse a idéia de oferendas de ano novo, remetendo a rituais religiosos. A música é o hit da peça, super animada, super prá cima, uma delícia de ligar no máximo e sair chacoalhando e fervendo sem parar. Essa era a idéia. Então tá. Liguei a música e comecei a mexer. Saltinho, saltinho em attitude, braço, rond, ombro de lado, mãos estaladas, um charminho estilo Bob Fosse... Nãããão, pára tudo. Tava tudo indo bem até o rond. O quadril duplo, o ombrinho de lado e o charminho não têm nada a ver com os tais rituais religiosos! OK, controle-se mulher. Começo de novo e lá vêm, sem que eu possa evitar, o ombro provocando e o quadril remexendo.

Meu quadril e meus ombros têm vida própria, não adianta. Eu não tenho nenhum poder sobre eles quando a música é boa e a roupa deixa. Eles piram mesmo e isso é ótimo quando a coreografia permite. Acontece que nesse caso específico eu comecei a ficar preocupada. Caraca, eu não estou numas de coreografar coisas de Deus. A tal coreô dos rituais religiosos vai acabar virando um chamado de acasalamento e não vai encaixar muito na proposta do todo...

A essa altura, Deus deve ter pressentido na sua onisciência que a coreografia religiosa estava subindo no telhado e me enviou reforços na forma da minha amiga queridíssima, que podou todos os meus remelexos e sacolejos desmedidos, riu das minhas viagens, anotou o que ficou legal e ainda deu várias idéias das boas. E não é que no fim rolou? Saímos encharcadas, desmilingüidas, rindo que nem criança e super satisfeitas. A cena vai ficar gostosa de se ver, uma delícia de se dançar e o melhor de tudo, dentro da proposta.

Quando terminamos, ela virou para mim, acabada, e disse: “Ju, era disso exatamente que eu tava precisando depois de um dia totalmente desgraçado. Podemos fazer isso sempre?”.

Ô se podemos, meu bem. Sempre que você quiser, mesmo que não haja motivo. E desde quando a gente precisa de motivo para se acabar de dançar, certo?

domingo, 14 de setembro de 2008

Salada

Huummmm. Essa é a melhor salada que eu já comi na vida.”

Eles me olharam em silêncio e começaram a gargalhar.

Que foi? Qual a graça?”

Você é muito empolgada, Ju.

Ri junto, de boca cheia, saboreando aquela salada deliciosa e pensando: Sou. Sou mesmo. A empolgada. Que bom.

Sempre fui, gente. Desde toquinho me empolgo com quase tudo, pequeno ou grande, previsto ou inesperado, duradouro ou passageiro. Se é bom, se me interessa e me faz feliz, estou eu lá, dizendo uhuuuu. Na escola eu curtia as gincanas e as festas como ninguém. Até celebração do dia de Dom Bosco era motivo para sair de casa saltitando e cantando, toda entusiasmada.

Tão gostoso esse motorzinho no peito te tirando da cama de manhã e te dizendo Vai brincar, menina! Olha o que o dia te reserva!

Eu tenho cá pra mim que só pode ser esse o tão falado e já mundialmente clichê, segredo da felicidade. Curtir com gosto, de coração e com olhos e ouvidos de criança todos os agrados que a vida te entrega, sejam eles uma nova paixão, um bilhete premiado da Mega Sena ou uma salada deliciosa.

Falando nisso, e como eu tinha prometido mesmo um post sobre salada, deixa eu registrar aqui a receita da famosa: camarões médios grelhados no alho, alface picada, guacamole, pedaços de manga, pepino japonês cortado bem fininho, fatias de tomate e crosta de parmesão para dar o toque final. Boa demais. Façam, provem e me convidem para comer junto. Vou ficar super empolgada.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Pausa

Faz tempo que eu não apareço por aqui. Tanta coisa acontecendo e o blog parado.

E olha que não é por falta de escrever. Tenho escrito tanto ultimamente, mas nada que eu quisesse escancarar. Coisas do processo. Fase de matutar sobre coisas senti/mentais, e tanto as primeiras como as últimas se transformam milhões de vezes por dia nas idas e vindas dessa maluquice que é o interior de uma pessoa. Ainda mais de uma pessoa como eu.

Preciso escrever, preciso. Sento. Cuspo no word. Leio. Mais tarde eu posto, à tarde. Abro para postar mais tarde, já não é mais nada disso. Desencano, guardo o blábláblá que eu já não sinto mais e sigo no dia até a próxima vontade de escrever. E assim vou. Rambling around.

Agora, cá entre nós, um blog sem post incomoda. Estranho. É para mim, é meu, mas no fundo não é. Depois que você cria, tá no mundo e te pede fôlego. Dá coceira.

Então tá. Por hora o post é assim mesmo porque ultimamente confusão é a única coisa que não deixa de fazer sentido nessa minha cabecinha viajante. Amanhã tem mais, prometo. Sobre salada, porque salada não muda e eu posso ler e reler que não vai me incomodar nem deixar de ser verdadeiro. Salada, de comer, é salada e só.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

D

As coisas que você me disse me deixaram tonta, enjoada. A nossa conversa naquela segunda-feira à noite me jogou no liquidificador e pela primeira vez eu te vi mulher.

O teu rosto não era mais o da menina que eu sempre conheci. Você, sonhadora, inocente, despreocupada, foi engolida pelo hoje e assim, em um estalo, desapareceu. E que susto eu levei...

Você transbordava as suas angústias, os seus temores adultos. Olhava para mim com olhos sem mais nenhum traço da infância que sempre te filtrou e protegeu as retinas e as minhas fichas despencaram todas juntas, fazendo um barulho ensurdecedor. Por fora eu só te olhava e ouvia, imóvel. Por dentro eu estava aos berros, transtornada por ter te deixado partir. Eu me reconhecia nos seus lamentos e queria te resgatar e te trazer de volta para um lugar seguro, aconchegante e confortável.

Se ao menos eu estivesse lá...

A gente sempre se deu tão bem. Tão diferentes, diametralmente opostas, e mesmo assim a gente sempre se entendeu pelo olhar. E se completou, e passou por cima da discussão de ontem para dar risada de alguma besteira dita sem pensar, lançada no ar. O tal amor incondicional. A tal convivência livre, despreocupada, limpa de camadas e travas e preparos. Nós somos assim, meu bem, melhores juntas. Nós nos fazemos bem.

E por mais que os desatinos dessa vida tenham nos roubado a convivência nesses tempos que passaram, eu vou estar sempre aqui para você e eu preciso que você exista quando os outros se forem. Tudo vai mudar, sarar, você vai ver. Aquele frescor vai ser seu de novo, minha menina irmã. Eu vou te mostrar.

sábado, 30 de agosto de 2008

A queda e os três reais

Gente, gente, gente. Eu preciso comentar aqui duas notícias absolutamente estapafúrdias que apareceram na mídia esses dias.

A primeira delas é a do bebê de um ano e meio que caiu do terceiro andar de um prédio no Recife terça-feira. Discussões sobre negligência doméstica à parte, fantástica a história da queda em si.

Vejam só a trajetória absurdamente improvável da descida: bebê pula (!) do apartamento e desce em queda livre até uma janela basculante que estava aberta na medida certa para desviar a sua direção (!); descendo na diagonal, bebê bate em um guarda-chuva aberto e preso na janela do andar de baixo (!) que serve de trampolim e joga a criança em direção ao muro; chegando ao muro, bebê fica preso pela fralda descartável nas ferragens pontiagudas da grade de segurança do prédio (!); fralda cede lentamente e, por fim, bebê chega ao chão com a queda amortecida o suficiente para lhe causar apenas alguns ferimentos (!); bebê é internado, passa bem, está brincando e viverá feliz para sempre, até Deus sabe quando.

Fala sério. Fiquei besta com a história. Agora me diz se é tudo mera coincidência ou se o anjinho da guarda do pimpolho não teve que improvisar com o que tinha em mãos? Coisa maluca de desenho do Tom e Jerry.

A segunda notícia, que não tem nada a ver com a primeira mas é tão esdrúxula quanto, me fez rir que nem uma retardada dentro do carro ouvindo a CBN. Trata-se de uma dupla fantástica de ladrões que foram presos na Paraíba por falsificarem dinheiro. Até aí, normal. A questão é que os espertissíssimos estavam falsificando notas de 3 reais. TRÊS REAIS! Eita orelha avantajada. Até imagino a conversa das sumidades:

Aí mano, vamo fazê nota pequena porque as grande é mais difícil de passá.”

“Certo, mano, certo.”

“De dois tá bom? Cinco já chama atenção.”

“Ah, mas de dois nem vale o papel e as tinta. Melhor fazê de trêis então, não é nem dois, nem cinco. Fácil de passá e rende mais.”

“Tu manja, mano. Tu manja. Fechô.”

E o pior, meus queridos (sim, tem coisa pior!), é que as cavalgaduras conseguiram usar parte do dinheiro falso nas lojas da cidade. Tem retardado para tudo nesse mundo: para falsificar notas de três e para recebê-las de bom grado. Agora me diz qual a orelha maior?

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Eu e as Senhorinhas

“Ju, vai rolar a sessão de fotos no lar das senhoras amanhã às 9:30. Você pode?”

Posso, claro” Podia nada. Dei um jeito. A verdade é que fazer trabalho voluntário em lares de idosos é uma vontade antiga minha e eu não ia perder essa chance por nada.

Cheguei e já fui recebida por uma dúzia de sorrisões, devidamente acomodados nas poltronas na frente da instituição. Dava para sentir no ar a animação delas com o acontecimento que se aproximava. Elas seriam as nossas top models naquela sexta-feira e estavam ansiosíssimas.

Fui conversar com as outras fotógrafas que estavam lá dentro enquanto as senhorinhas foram chegando, devagar, braços dados, algumas com bengalas, outras amparadas pelas funcionárias.


Chegaram falantes, já. “Eu moro aqui. Eu aqui. Essa é a minha casa, vocês vão entrar depois para um café, né?” (o lar é bem legal e algumas moram em casinhas individuais ou para duas pessoas). Elas falavam sem parar, entre elas, conosco, até que uma chegou, quieta. “E a senhora, onde mora?” Perguntei, puxando papo.

“Eu moro no ar.”

“No ar?”

“É. O vento bate e a gente voa.”

Não, ela não está louca. Ao contrário. Coisa mais linda, isso. Imaginei aquela senhora, a dona Rita, sentada no banco do jardim, longe dali. Os olhos dela me diziam mesmo que ela não morava naquele lugar. Ela morava no mundo, nas memórias das sensações que o vento, o mesmo de outros tempos, trazia de presente quando assobiava nos seus ouvidos. Senti aquele familiar bololo na garganta e respirei fundo para não causar uma commotion ali, logo de cara. Segura o tchan, mulher. A idéia era fotografar as mulheres felizes, sorridentes, e uma fotógrafa esgoelante não teria exatamente esse efeito.

Vocês precisavam ter visto, elas estavam lindas. Cada uma ao seu estilo, haviam se aprumado todas. Puseram o melhor vestido, tiraram as jóias da caixinha de música e levaram para tomar sol, coloriram as bocas, os olhos e as bochechas enrugadas, arrumaram os cabelinhos brancos e ralos, puseram echarpes e chapéus. Algumas se enfeitaram com flores e passaram esmalte cor de rosa.

Curiosas que só elas, não perdiam um movimento nosso. Quando sacamos as câmeras e começamos a ajustar as definições, o alvoroço foi geral. Poses disfarçadas começaram a pipocar, algumas nervosas, outras atiradas, nenhuma indiferente. Eu queria fotografar tudo, todas ao mesmo tempo, e guardar aquela alegria generalizada para espalhar por aí, mostrar e levar de volta para elas, ampliada em um porta-retratos. E fui, me realizando com as mais de 400 fotos tiradas em uma hora e meia de convivência com aquelas mulheres maravilhosas.

Sentaram em todos os bancos do jardim, andaram pra lá e pra cá (provavelmente mais do que andariam durante uma semana toda de calmaria), posaram sós, em duplas, em trios, em grupos. Fizeram piadas, contaram das aventuras juvenis, falaram, saudosas, de maridos, filhos e netos. Falaram da solidão.

Hoje eu sei que a dona Eiko morre de saudade do neto que está no Japão e escreve para ela de vez em quando, mas não tanto quanto antes; sei que a dona Dalila tem 93 anos de idade e a vaidade de uma adolescente e adora receber as amigas em sua casa para uma boa conversa; sei que a dona Abigail de 89 anos foi casada e muito feliz com o maridão, que se foi e deixou muita saudade e a aliança que ela exibe orgulhosa levantando o dedo médio (sim, o médio); sei que a dona Odete, que normalmente nunca chora, tem ficado com os olhos marejados de tanta dor nas articulações por motivos que os médicos ainda desconhecem, mas que os exames estão marcados para a semana que vem. Sei que apesar da dor imensa, ela se levantou e, devagar, bem devagar, amparada pela enfermeira, andou até a cadeira da varanda para posar para mim, e chorou.

Sei que uma delas, de quem não consigo me lembrar o nome, pegou a minha mão quando eu fui me despedir e não quis mais soltar. Ela não disse nada, apenas segurou forte e me olhou, sorrindo. Sei que elas, e não só a dona Rita, realmente moram no ar e voam com o vento, e sei que eu não vejo a hora de voltar lá para encontrar aquelas senhorinhas de novo.








link para outras fotos:

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

24 de agosto

24 de agosto, dia internacional do P.I. - vai vendo.

Acordamos na leseira total, aquela coisa que paira invariavelmente no ar em um domingo de sol.

Queríamos ir ao Street Jazz em Moema e à bienal do livro no Ibirapuera. Minha queridíssima amiga disse que às cinco da tarde seria o lançamento do novo livro da Elisa Lucinda e pretendíamos conferir e tietar. Antes de qualquer coisa, porém, ela (a minha amiga, não a Elisa Lucinda...) teria que fechar as médias dos seus alunos que ficaram de recuperação.

Faz uma planilha no Excel, muito mais fácil.” Sugeri.

Ai, Ju, não sei mexer nessas coisas.”

Eu faço prá você.”

Como as pessoas ficam de recuperação hoje em dia... Eita. Uma galera mesmo, uns quinze de cada classe, quatro turmas ao todo. Toca montar as planilhas, formatar, botar fórmula, digitar nominho por nominho (cada nominho...).

Terminamos lá pelas tantas e partimos rumo a Moema para curtir música boa na rua, comendo porcaria. Lugarzinho longe, Moema. Anda, anda, anda, erra um pouquinho, anda de novo. Chegamos. Infra montada, caixa de som prá todo lado, um monte de gente com camisa da organização e só. Chegamos na hora errada. O babado começaria às 16h e chegamos às 14h. Andamos um pouquinho por lá só para sentir o cheiro do jazz de prima que ia rolar naquele lugar dali a algumas horas, conversamos com uns e outros e pegamos o carro rumo ao Ibirapuera. Fazer o quê? Bienal, aí íamos nós.

Anda, anda, anda, fila gigante para entrar no parque, nada de vaga e um enxame de amarelinhos fazendo a festa das multas dominicais. Fila gigante de novo, procura, procura, achamos a nossa vaguinha. Nada como uma tarde de sol, domingo, no Ibirapuera. Gente prá todo lado, fila prá todo lado, bicicleta prá todo lado, você quase sendo atropelado por uma meio desgovernada...

Anda, anda, anda. “Moça, onde é a entrada da bienal?”. Ela olhou para nós com um gente louca estampado na testa e disse: “No Anhembi.”.

Estávamos varados de fome e no lugar errado. Perfect. Ok, Ok, vamos comer antes de qualquer coisa e depois a gente se manda para o outro lado da cidade para, dessa vez, ir à bienal. Restaurante do MAM. Um lugar delicioso rodeado de arte, com comida de primeira, gente interessante, clima agradabilíssimo e... Espera. Fila de espera, junto com uma hostess meio barraqueira-encrenqueira que quase tirou a gente do sério. Paciência, o dia já não estava lá essas coisas e uma luta corporal com a fulana no meio do restaurante do MAM não iria ser de grande ajuda.

Comidos e um pouco mais calmos, partimos rumo ao Anhembi para vermos o lançamento do tal livro e passear na feira. Anda, anda, anda. Lugarzinho longe de novo. Paramos o carro, anda, anda, anda. Entramos finalmente no pavilhão da feira. Já estávamos tão cansados que a sensação, ao invés de boa, foi um pouco desesperadora. Tanta coisa para ser vista, tanto acontecendo e nós lá, exauridos, querendo ver Telecine light embaixo do edredon. Ok, Ok, é a bienal, tem livro prá todo lado e tem a Elisa Lucinda. Vamos achar o estande e corre que já está em cima da hora.

Chegamos.

Elisa Lucinda? Foi ontem. Às cinco da tarde. Foi ótimo, muito legal mesmo...”

A moça continuou falando e a gente se entreolhava não acreditando naquele dia do inferno. Fala sério. Zicado é pouco para o nosso 24 de agosto. Acordamos fazendo planilhas, chegamos na hora errada para o jazz, no lugar errado para a bienal e no dia errado para o lançamento do livro.

Agora me pergunta se foi um dia bom.

Foi. Foi sim.

Por incrível que pareça, apesar de todos os desencontros, das furadas, dos erros de percurso, foi um dia divertidíssimo ao lado dos meus queridíssimos amigos-família. Morremos de rir das nossas idas estapafúrdias aos lugares errados nas horas erradas, rimos da bicicleta assassina, do cara de xana, dos meus tropeções no estacionamento, dos nomes dos alunos nas planilhas, das imitações de amigos com direito a registro fotográfico, das picuinhas com a hostess, do telefone para surdo, do Tawanda no Ibirapuera, das paródias com as músicas do Balão Mágico. Rimos com gosto das nossas desgraças e acabamos o dia juntinhos, os quatro, no sofá. O segredo é mesmo picar os limões e fazer a tal limonada bem adoçada com amigos queridos. Valeu meus amores! Que venha o próximo 24 de agosto.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

A Multa

Moço!”

Nada.

Ei moço!”

Ele me olhou como se eu fosse uma gosma nojenta.

Você vai multar?”

Já estou multando.”

Por quê?”

A senhora conhece o código de trânsito?”

Que audácia.

Qual a infração, posso saber?”

A senhora estacionou a menos de 5 metros da esquina.”

Filho da p... Não acredito que esse amarelinho mal amado vai ser sacana a esse ponto. Nem o diretor do DETRAN cumpre essa regra, faça-me o favor.

Mas moço, eu não estou atrapalhando ninguém.”

Está atrapalhando a conversão à direita.”

Só se for da sua mãe, que deve ser a rainha do braço...

Eu acabei de estacionar e já vou sair. Por favor, não...”

Já era.” Disse, saboreando o momento e esfregando o papel amarelo no pára-brisa do meu carro, sorrisinho sádico no canto da boca. Depois virou, mudou a página do bloco e foi, todo feliz, multar o próximo otário.

Gente do céu, tanta cavalgadura fazendo barberagem por aí, atrapalhando o trânsito, estacionando em fila dupla, parando cruzamento, dirigindo que nem maluco e o maldito guardinha desocupado resolveu encanar justo comigo, quieta e estacionada direitinho em uma rua tranqüila às 4 da tarde de uma terça-feira. E por quê? Por estar a menos de 5 metros da esquina. E quem não está, meu bem? Hoje em dia com essa profusão de carros e essa escassez de ruas, ou se pára na esquina ou não se pára. Vale, então, o bom senso. Está atrapalhando alguma coisa? Não. Então tá. Mas não tá, não, porque bom senso não é um assessório disponível nesses amarelinhos tapados. E sádicos.

Ô raça.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Ela vem!

Sim, ela vem!

Dias 14 e 18 de dezembro tem Madonna no Brasil. Nem acredito que dessa vez é pra valer.

Já tivemos tantos alarmes falsos nos últimos anos que eu falei que só acreditava vendo, ou melhor, quando estivesse à venda. E não é que está? Quase. Já existe um site onde se pode entrar para fazer um pré-cadastro. Um protocolo de intenções. Coisa de Diva-mor. Um site só para você dizer que vai comprar na hora em que começar a vender. Anotem aí o link:
http://www.ticketsforfun.com.br/.

Pergunta se eu já entrei? Há, há. Entrei e espalhei e continuo espalhando. Essa mulher merece. E digo com propriedade e com conhecimento de causa, afinal, não é de hoje que sou fã de carteirinha dessa superstar. Que nada. A minha paixão pela loira começou em 1990 depois de assistir ao famoso Na Cama com Madonna, aquele da brincadeira de Truth or Dare com a tão falada cena da garrafa. Eu tinha 14 anos. Fui ao cinema meio arrastada por uns amigos da escola e pirei. Adorei aquela pessoa tão talentosa, carismática, determinada, louca e ao mesmo tempo senhora de tudo ao seu redor. Ela dançava, cantava, atuava, produzia, desafiava e provocava e sabia exatamente onde queria chegar com isso. E chegou.

E se reinventou. Over and over. A cada nova geração, uma nova Madonna aparecia, com novos sons, looks, bafos e todo o glamour que sempre rodeou esse furacão pop. Nem preciso dizer que em 1992 eu estava lá, né? Morumbi lotado, eu, minha irmã e alguns amigos queridos desde as 6 horas da madruga na fila gigantesca ao redor do estádio. Que dia! Vimos passagem de som com ela enrolada na bandeira brazuca, ensinamos palavrões que seriam ditos mais tarde no show, quase morremos esmagados pela multidão, choramos com Rain e Holiday e curtimos horrores aquele show maravilhoso.

Já estava na hora de um repeteco em grande estilo. Achei que teria que atravessar o Atlântico para passar por isso de novo, mas Maomé virá à montanha at last. O Morumbi que me aguarde, dessa vez rodeada por uma caravana de loucos pela Diva. Sticky & Sweet é o nome da turnê e é provavelmente assim que vamos terminar o dia 18 de dezembro. Grudentos e doces e felizes da vida.