quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Nas Mãos de Deus

O que eu tenho visto de gente braço por aí não está fácil, barbeiragem mesmo, daquelas de xingar a mãe em alto e bom tom.

Quando eu dou conta de não bater o carro, me refazer e olhar para a frente de novo, o que eu vejo? Um adesivo “Nas Mãos de Deus”.

Que raio de epidemia de adesivo é essa que se alastra ferozmente entre o povo braço desse mundo? Deve ser alguma coisa distribuída em grupo de auto-ajuda ou coisa do gênero, não é possível.

A galera bota o adesivo na traseira do carro e sai feito doida achando mesmo que Deus vai se envolver para compensar a falta de jeitinho dos sem noção para trafegar por aí.


Ora pois, pois. Deus com tanta coisa mais importante para fazer e a galera que tirou carta pela Internet jogando esse pepino nas Suas magnânimas costas. Tsc, tsc. Não é à toa que a faixa de Gaza, a África e mais meio mundo por aí estão nesse estado.

Falta de senso, gente. Aí vai uma diquinha das boas: coloquem o adesivo na casa de uma criança pobre, façam umas aulinhas de auto-escola, uma visita ao oculista e, se perceberem que não nasceram mesmo para a coisa, comprem uma bicicleta. Não polui, faz bem para a saúde e não mata ninguém.

As mãos de Deus já devem estar de boa de interceder a torto e a direito pelos cruzamentos afora e eu já estou de boa de quase me espatifar nos carros nas mãos de Deus por aí.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Madagascar

Outro dia assisti finalmente ao desenho Madagascar, aquele dos quatro animais da big apple que conseguem fugir e acabam indo parar na ilha africana. Adoro esses desenhinhos. Amo, me divirto horrores.

Acontece que desde o momento em que os quatro figuras puseram as patinhas nas areias daquela praia deserta, eu me peguei curiosíssima para descobrir como os roteiristas fariam para solucionar aquele problemão. Olha só, três herbívoros, um leão. O leão de Nova Iorque comia steaks finamente preparados, cortados, temperados, carne de primeira em forma de bife de desenho para que ninguém, nem mesmo ele, tivesse uma vaga lembrança de que aquilo um dia foi um bicho que andava, comia e fazia muuuuuú.

Na ilha, into the wild, big problem, já que o leão teria que comer um bicho vivo em um desenhinho infantil. No way. Sabe quando o bichinho fofo e divertido, protagonista do babado, comeria outro animal inteiro e alive em um desenho desse tipo? Nunquinha. Matar o pai do Simba no Rei Leão já deu o que falar e provocou uma série de discussões sobre a exposição das crianças às crueldades da vida, imagine o cool e simpático leão Alex se alimentando de um bichinho peludo da floresta. Ahã. Espera sentado.

Lá pelas tantas esse virou o conflito principal do roteiro, com o dito lutando internamente contra a sua natureza de leão. Sou carnívoro, estou varado de fome mas estou em um desenhinho infantil. A vida não tem dessas coisas em um desenhinho infantil. Oh céus, oh vida, o que fazer?

No desespero ele mordeu a zebra, começou a enxergar todos os bichinhos fofos como t-bones, quase comeu uma série de amiguinhos peludos até que se isolou disposto a morrer de fome e eu lá, pirando para saber como aquilo iria se resolver.

Quem salvou o dia? O sashimi. Comida japonesa é mesmo tudo, né gente? Sobrou para o pobre peixinho que já apareceu mortinho da silva, com os olhos em X em cima da mesa, todo decorado. Ótima saída, peixe não é fofo, não iria fugir ou sofrer para morrer. Eles nem precisaram mostrar a pesca do coitado que parecia mais uma coisa, um bife de desenho que simplesmente surgiu, convenientemente desfalecido, para garantir a alegria da bicharada e das platéias mundo afora.


Só não deixe seu filho assistir a Madagascar na sequência de Procurando Nemo. Ele poderia juntar as pecinhas e se tocar de que o peixe é na verdade um bichinho que pode ser fofo, sentir amor, dor, e apesar de ter uma memória péssima às vezes (me identifico tanto com a Dori...) pode ser um grande amigo. Ele poderia ver o final de Madagascar com outros olhos e achar que a natureza é mesmo cruel. Ele vai ter tempo para descobrir isso de outras formas, muitas vezes depois. Por enquanto deixe o peixe continuar sendo só um bife de desenho.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Cheirinho de...

Eu suo chocolate.

Tem gente que sua cecê, rosas, cheiro de nenê. Eu suo aroma de chocolate. Chique né?

Acho que é porque eu sou um doce. Um doce e menina...

Hahá. Que nada. Tá, eu sou um doce, isso não se discute, mas o perfume é todo fruto de uma combinação perfeita de desodorante sem perfume e shampoo/condicionador de chocolate. Adoro. Adoro e respiro fundo toda vez que o suor escorre pela minha pele.

Ainda bem que eu estou sempre perto de mim quando isso acontece.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Dona de Bar

Dona de bar.

Tá aí uma coisa que eu nunca achei que fosse ser. Mas essa vida é toda muito doida mesmo e quando eu vi tinha virado sócia-criadora da balada mais divertida da cidade (modéstia à parte, obviamente).

Eu estava pirando de vontade de parar de trabalhar na consultoria em Sampa, minha irmã tinha se formado cheia de gás e idéias, meu pai topou bancar a brincadeira e nós achamos o ponto comercial perfeito. Não dava para ignorar essa conjunção. Depois foi só (só...) definir tema, foco, público, objetivo, missão, imagem, estilo, cara, nome. Um trilhão de reuniões familiares. Pedreiro, arquiteta, engenheiro, pintor, marketeiro, contador, assessor de imprensa, cozinheiro, pizzaiolo, barman, copeiro, garçon, faxineira, caixa, segurança, estoquista, gerente, fornecedor. Festa, festa, festa. Gente que não acaba mais. Cada vez mais.

Graças a Deus.

Pepinos, ataques, panes, estresses. Risada, amigos, muitos amigos, novos amigos, muita lição, aprendizado, experiência.

A gente cresceu prá caraca, em todos os sentidos. O bar cresceu com a gente, virou referência, refúgio, casa, quintal. O bar criou família, uma família enorme que vive aumentando, agregando, achando por aí uma galera inacreditável.

Olha, como valeu. Hoje, seis anos depois, vêm com a gente vinte e poucos funcionários com suas famílias e filhos, ex-funcionários, parceiros, fornecedores. Um milhão de amigos prá lá de especiais, gente que a gente nunca conheceria se não fosse por aquelas paredes laranjas e verdes que já viram de tudo. A gente criou algumas lendas, lendas de comer, de beber, de contar. Histórias de morrer de rir e outras de enxugar o canto do olho. A gente juntou gente, criou casais, fez nascer gente pequeninha que ainda nem fala. A gente fez festa prá caramba, dançou em cima do balcão, dançou no palco, na pista, com banda, com DJ, com samba. A gente bebeu até cair, literalmente. A gente sofreu com os vizinhos e fez amizade com eles. A gente fez feijoada, pizzada, balada. A gente fez, faz e vai continuar fazendo por muito tempo, se Deus quiser.

A gente se juntou, virou mais família, apesar das divergências pela cor da tinta, do enfeite da porção, do cardápio, do site, da foto, de tudo. A gente criou uma coisa que não tem preço. A gente criou felicidade e fez uma outra família nascer.

Obrigada por tudo, meus queridos, por serem o que são e por fazerem tudo isso existir nesse dia-a-dia doido demais, dessa cada vez maior e mais deliciosa, família.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Adelina

Eu saí de lá toda remexida. A sensação era de que as minhas células tinham sido oxigenadas com uma enorme golfada de ar iluminado por aqueles pinos amarelados, ao som das cordas roçando o arco nas mãos da atriz.

Boa arte faz isso comigo. Fricciona, cria atrito, movimento.


Boa arte, sensível, transformadora, desvia o que eu sinto e penso do meu trivial, do caminho que eu sentiria e pensaria só e me conecta, por entre pancadas, desvios e esbarrões, com o caminho do outro e suas novas e impensadas sensações.

Não desprezando as palavras, mas há outras formas de comunicação...

Frase de Adelina Gomes, esquizofrênica, paciente do Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro dos 21 anos de idade até sua morte aos 68. Vista como agressiva e perigosa a princípio, encontrou na arte sua forma de expressão e comunicação, tendo produzido mais de 17.500 obras que inspiraram outros tantos trabalhos, dentre os quais a peça “Quando ando em pedaços ou notas sobre minha mãe” que me sacudiu.

Adelina está certíssima. Há definitivamente outras muitas formas de comunicação, infinitas vezes mais eficazes e intensas do que a verbalização de pensamentos. Formas diretas, sem filtro, do olho no olho, do corpo com corpo, à distância ou não. Do bicho de um movendo o essencial do bicho meu, provocando sensações que arrebatam, tomam conta e criam um caos interno que depois, só depois, se traduzem em pensamentos, idéias, entendimentos e conclusões racionais. As sensações permanecem, porém, mesmo depois do processo mental e continuam permeando a existência e funcionando, em conjunto com as infinitas outras sensações que nos tomam diariamente, como catalisadores de idéias, desejos e realizações.


A arte, e não o raciocinar, é o que de fato nos distingue dos demais seres perambulantes por aí. A arte inquieta, transforma, impulsiona e define o humano em nós.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Suzy

Ela chegou toda de branco.

Em um mar de mulheres de negro, sapatos, meias, saias, colants, elásticos de cabelo negros, ela chegou chegando. De branco.

Só dava ela. Mesmo. Sabe quando uma bailarina usaria uma roupa toda branca para ensaiar? Ainda mais em um workshop para a montagem de um musical como Chicago? Nunca. Nunquinha, never, jamé. Branco engorda, dizem. Pois ela se deu a esse luxo e arrasou.

- Suzy, menina, que linda! Toda de branco...

- Às sextas-feiras eu só uso branco. Sempre, há anos.

- Ah...

Com vocês, Suzy Rego.

Aquele foi o último dia do workshop. Conheci pessoas especiais ali, dessas figuras que passam rápido pelo nosso caminho e desaparecem, deixando lembranças que volta e meia surgem e fazem o canto da boca subir.

Nunca mais vi a Suzy, pelo menos não pessoalmente. Vejo às vezes na TV ou no teatro por aí. Uma simpatia. Uma imagem que eu não esqueço. Ela entrando, toda reluzente, destoante, no meio do trivial. Estrelas, algumas pessoas têm estrelas.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Mestre Cuca

32 anos nas costas e eu ainda me surpreendo com a minha desenvoltura fantástica na cozinha.

Jesus.

Nos últimos dias, por uma conjunção rara de fatores, tenho comido muito em casa. Também por uma conjunção não tão rara de fatores – preguiça e falta de tempo de ir ao supermercado – os itens já usualmente parcos dos meus armários resolveram desaparecer, restando o bom e velho miojo de legumes, a seleta com milho e o atum. OK, 2, 3 dias, vá lá, no quarto dia eu já estava verde só de pensar nessas iguarias e resolvi variar.

Variar diante das prateleiras da minha cozinha significa brigadeiro, sucrilhos ou macarrão Barilla com molho de tomate. Como almoçar brigadeiro ou/e sucrilhos é um pouco tosco demais, até para os meus hábitos, resolvi encarar o tal macarrão.

O processo traumático já começou logo de cara. Alguém pode me dizer como é que se esquenta e tempera o molho sem queimar a mão e o braço com os malditos respingos do babado? E nem me venha falando em colocar tampa porque é preciso mexer, certo? Resultado: salseiro de Salsaretti no meu fogão todo, tão novinho tadinho... Ficou traumatizado o pobre utensílio. Nunca é utilizado e quando é, dá nessa nhaca.

Apesar do chafariz tomatélico eu fiquei toda feliz quando montei o meu pratinho oval: macarrão al dente com molho bem temperado no centro, quentíssimo. Prato de revista.

Na hora de pegar o prato para comer, o que acontece? A belezura aqui graciosa e literalmente entornou o caldo. O caldo, a massa, o prato, e se tivesse mais alguma coisa por perto, teria entornado também. Crap, crap, crap.

Cara....ca. OK, respira, entoa uma música da Enya, conta até 32, pega o pano, 2 panos, o lixo, limpa a mancha vermelha grotesca e a cascata de espaguete da escada caracol, respira, xinga os malditos chineses que inventaram o macarrão e os italianos disseminadores da meleca vermelha à base de tomate. Respira e pensa nas opções: 1. delivery; 2. Mcdonalds; 3. não se deixar vencer e refazer o gororoba.

There you go. 3 it is.

Toca a lambuzar tudo de novo e montar o pratinho, segurando dessa vez cuidadosamente com as duas mãos para que nenhum acidente ridículo voltasse a acontecer.

E então, aconchegada no conforto do meu sofá e prestes a saborear a minha criação, eu percebi que tinha virado um dálmata em tons de vermelho, com pingos e respingos da cabeça às coxas. Fala sério.

O que era para ser um macarrãozinho rápido virou uma novela mexicana. Eu sou mesmo um ser de talento insuperável quando se trata da arte culinária. Ainda bem que eu sei muito bem disso e não me aventuro. A integridade física do meu prédio e quiçá do meu quarteirão agradece.

Mas ficou gostoso, viu. No ponto de sal, de cozimento... Delicinha mesmo. Só não me pede para fazer de novo. Não vai rolar.

Obrigada Senhor pelos pratos prontos da Sadia.