sábado, 31 de janeiro de 2009

Aleatórias

Duas matérias do jornal de ontem me chamaram a atenção e eu resolvi comentar por aqui. Tudo rolando lá no sul. Olha só.

André e Tiago se conheceram há 3 anos em uma cooperativa agrícola em que trabalhavam no Rio Grande do Sul. A sintonia foi tão grande e eles ficaram tão amigos que resolveram largar aquela vida e abrir um negócio juntos, uma distribuidora de bebidas. Ao juntarem a papelada para a firma, descobriram que eram, fala sério, irmãos. Pois é, o mais novo, André, foi entregue pela mãe com dois dias de vida para adoção em uma cidadezinha do interior do Estado chamada Panambi, teve o sobrenome alterado e nunca teve a curiosidade de procurar sua família biológica. O outro, Tiago, nunca soube que tinha um irmão adotado e só descobriu a história toda quando o seu futuro sócio lhe chamou para uma conversa séria na distribuidora, que acabou sendo bem mais séria do que ele imaginava. Coincidência? Sei lá. Fato é que o encontro absolutamente improvável mudou a vida de todo mundo por lá e juntou as duas famílias, que agora fazem churrascos aos domingos e tomam chimarrão na mesma cuia. Doido de bonito, né?

Matéria dois: biblioteca na areia das praias do Paraná. Em Guaratuba, Matinhos e na Ilha do Mel, o governo do Estado teve a iniciativa de instalar 4 tendas com 1.200 livros cada nos principais pontos da orla. As bibliotecas têm, além dos livros para retirada gratuita, espaço para contar histórias, mesas, cadeiras, computadores com Internet, TV e DVD. O melhor de tudo é que o governo criou a estrutura e a população aderiu. A média de freqüência é de 200 pessoas por dia e o índice de devolução dos livros é de quase 100%. Os mais locados? Drummond, García Márquez, Dalton Trevisan e outros autores consagrados, além de alguns best-sellers. O povo está voltando a ler, minha gente. Para leitura de praia, no lugar de Caras e Contigos, “A Rosa do Povo” e “Cem Anos de Solidão”.

Tá, para muita gente essa notícia não deve ter nada de especial. Pois para mim ela é absolutamente fantástica. Ainda mais porque a mudança não pára por aí. Tenho visto bibliotecas comunitárias em rodoviárias e terminais, estandes e máquinas de livros de bolso aparecendo em estações de metrô. Quem sabe o brasileiro não faz as pazes com a leitura de uma vez? Que diferença isso faria nesse nosso país.

Entre notícias de aprofundamento da crise, pacotes de nacionalização de bancos, demissões em massa, violência contra turistas e jogadores de futebol acusados de estupro, em um sexto de página o destino deu um jeitinho de juntar dois irmãos que se perderam pelo mundo. Em uma notinha de canto, o destino de um país inteiro pode estar começando a mudar nas páginas dos livros sujas de sal nas areias da praia.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A Pior Garçonete do Mundo

Bar lotado numa quinta-feira à noite na capital. Tá, não lotado-apinhado. Cheio, vai. Sem cadeira vazia.

A única garçonete do pedaço rodava que nem barata entre as mesas à nossa volta. Nós doidos para pedirmos alguma coisa. Ela, finalmente, com muito custo, chegou até nós.

- Moça, posso te fazer um pedido?

- Não.

Ãh?

Várias sobrancelhas arqueadas junto com cantos de boca. Menos a dela que continuou na mesma.

- Não?

- Ai, agora não. Eu já volto, tá? Disse sumindo para o limbo das outras mesas.

A gente se olhou e riu. Caraca, que figura. Nós ficamos ali, de castigo, esperando a vontade da criatura de nos atender. Se a moda pega.

Voltou depois de algum tempo com dois cardápios, anotou os pedidos e picou a mula. Espera, espera, espera. Chegam os bebes, chegam os comes.

- Moça, você poderia me trazer mais dois garfos, por favor?

- Dois não, moça, eu trago um, pode ser?

A minha melhor cara de ué apareceu por conta própria. Eu ri, ainda imaginando que ela poderia estar brincando. Bobinha eu. Não estava.

- Sério? Só um?

- É o que eu consigo, moça.

- Então tá, traz um por favor.

A gente morreu de rir, não acreditando no descaramento daquela pessoa. Se essa depender de 10% para viver, vai morrer à míngua, coitada. Como garçonete ela é uma ótima qualquer outra coisa.

Em tempo: estamos esperando o garfo até agora. Óbvio que não chegou. Nem um, nem dois, nem nada. Comemos os quatro com o único garfo solitário que conseguiu chegar à nossa mesa junto com os pratos. A moça era mesmo boa.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Barack to the Future

No filme De Volta para o Futuro, quando o garoto volta para 1955, o professor lhe pergunta quem seria o presidente dos EUA em 1985. A resposta? Ronald Reagan. A surpresa é obviamente grande e imediata. “Ronald Reagan, o ator? E quem será o vice, Jerry Lewis?” .

Agora imaginem em um remake da produção, um garoto de 2009 voltando a 1955 e respondendo à mesma pergunta.

- O presidente dos EUA em 2009? Barack Obama.

- Quem?

- Barack Obama, um senador negro nascido no Havaí, filho de um queniano ateu de família muçulmana, com uma americana que depois se divorciou e se casou com um indonésio.

Para completar, o nome do meio do cara é Hussein, mas isso não faria a menor diferença naquela época, já que então o Saddam ainda devia brincar de foguetinhos de gude no quintal com os seus irmãos.

Fato é que em 1955 o racismo declarado e a segregação racial nos EUA eram tão grandes que a simples idéia de um presidente negro seria impensável até como piada. Brancos e negros não freqüentavam as mesmas escolas, não dividiam os mesmo assentos de ônibus, os mesmos estabelecimentos comerciais, as urnas. Naquela época o movimento pelos direitos civis dos afro-americanos estava começando a esquentar e garanto que nenhum dos ativistas, nem o mais otimista deles, poderia seriamente acreditar que os EUA teriam um presidente negro dali a cinqüenta e poucos anos.

Mas aconteceu. Hoje há um negro descendente de africanos muçulmanos no cargo mais poderoso e importante do mundo.
As coisas mudam, minha gente, em muito pouco tempo. Cinquenta anos são peanuts em termos de história.

E o cara não é apenas um divisor de águas do preconceito. É também extremamente competente, inteligente, bem preparado e, até onde se sabe, bem intencionado. Formado em ciência política pela Columbia e em direito em Harvard, fez trabalhos sociais, advogou em defesa dos direitos civis e está a anos luz do seu antecessor republicano, alvo de sapatadas.

Toda emocionada, eu lia hoje o caderno especial da Folha respirando fundo.

Que ele seja mesmo o cara certo no lugar certo, no momento em que o mundo mais precisa de alguém iluminado tomando decisões acertadas.

Que ele possa fazer o que dele tanto se espera. Ser ele já é.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Surto

Hoje eu chorei pelo mundo.

Sentei e chorei por esse mundo e por tudo nele que eu não consigo entender, as luzes da cidade lá embaixo embaçando e virando rastros do que eu não sei aceitar. Tem dias em que eu só quero chorar e gritar.

Nesses dias os meus escapes habituais não me aliviam. Eu não suporto a música, eu não tenho vontade de dançar, eu passo em branco pelas linhas dos livros e a TV fica muda diante do que está na minha cabeça. Nesses dias tudo parece uma enorme brincadeira de um mau gosto, um exercício nonsense.

Nesses dias eu escrevo coisas para ninguém ler. Eu olho para o teclado a dez centímetros do meu rosto, eu ouço a minha respiração, sinto meu lábio formigar e martelo as teclas pretas sem pensar, venha o que vier.

Nesses dias eu não entendo como o mundo das flores, das crianças, dos cães, dos casais apaixonados de mãos dadas e olhos brilhando, dos idosos na varanda, do sol que brilha forte nas manhãs da minha janela, do laranja das tardes que viram noites de lua cheia, pode ser o mesmo de coisas que eu nem sei contar.

Como é que esse mundo, cheio de luz, pode ser de tanta angústia e sofrimento, de crianças judiadas, de animais maltratados, de homens olhando nos olhos os seus iguais enquanto riem e matam, de doenças de corpo e de alma, de crueldade pura, de homens sem rumo, sem essência, sem porquê, de perdidos perambulando para sobreviver, alheios ao que se passa à sua volta, guiados por aí pelos seus próprios umbigos.

Nesses dias eu choro porque entendo que, ainda que eu queira e escolha ver o mundo das flores, das crianças e dos casais de olhos brilhando, o outro, cruel, existe, se mostra e não se deixa ignorar. Nesses dias choro por querer fazer do mundo um só, o primeiro, mas por não saber direito como ou por onde começar. E há tanto por fazer...

Eu costumava acreditar que as pessoas eram essencialmente boas e que as agruras da vida acabavam por lhes transformar e distorcer a índole. Hoje não acredito mais. Hoje vejo pessoas absurdamente díspares na essência, no sentir, coisa que não se transforma ou aprende durante a vida. Coisa que se é e fim.

Há aqueles que amam somente a si, que guiam seus atos pela vida buscando seus frutos a qualquer preço. Esses não se sensibilizam por nada, são indiferentes ao sofrimento alheio e por vezes até se deliciam com ele. Há os que amam a si e aos seus, que guiam seus atos buscando o bem daqueles a quem querem bem, que se sensibilizam com a dor dos próximos e cuidam para que ela seja a menor possível.

Há, por fim, os que amam a si, aos seus e aos seres que coexistem nessa terra, independentemente de terem com eles qualquer relação emocional. Esses homens e mulheres têm o amor como guia dos seus atos e sofrem ao ver o outro sofrer, seja ele quem for. Querem o bem, fazem o bem, sacrificam-se pelo bem maior e estão fadados a jamais encontrarem a paz, por perceberem e se abalarem verdadeiramente com o sofrimento e a crueldade que existe por aí.

Esses são os homens e mulheres que melhoram o mundo, que com grandes ou pequenos atos fazem a diferença, doam-se e transformam pedaços de tristeza em pedaços do mundo de sol, crianças, cãezinhos e casais apaixonados.

Hoje eu chorei porque o mundo precisa de muitos mais desses. São raros, porém. E sós.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Big F. Brother

Big Brother.

Começou a palhaçada de novo.

Caraca, tem poucas coisas que eu não suporto nessa vida. Big Brother definitivamente é uma delas.

É só uma questão de dias até que a maldita casa e as picuinhas dentro dela dominem o papo em todas as rodas. Incrível como até as pessoas mais esclarecidas se rendem ao conversê sobre quem ficou com quem, quem agüentou mais tempo dentro de um carro, quem tomou banho pelado, assumiu que é gay em rede nacional ou sobre quem votou em quem no paredão.

Ai. Jesus me salva.

Alguém me explica qual a graça de ver uma penca de pessoas aglomeradas sem nada para fazer, falando umas das outras e se azarando na piscina? Ainda se os papos entre elas fossem interessantes...

Se algum dia alguém resolver fazer um Big Brother com o Jabor, o Cony, o Dimenstein, a Miriam Leitão, o Schwartsman, escritores, filósofos, dramaturgos, cantores, diretores e atores pra valer (e não estou falando de Alexandre Frota ou da feiticeira), por favor me avise que esse eu vou fazer questão de acompanhar, assistir e comentar.

Por enquanto, como é, me poupe.

O jeito é ter paciência, sair para olhar a lua e pensar em coisas interessantes enquanto o assunto se desenrola infalivelmente nas rodas. Uma hora eles se cansam, as picuinhas se esgotam e, felizmente, o programa acaba. Mas demora.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Salmão

De repente eu olhei para o céu.

Que céu.

Tá, quem me conhece sabe que eu sou a freak dos céus. Adoro, piro no batatão. Tem mais foto de céu no meu computador do que de qualquer outra coisa. Cada um com a sua doideira e essa é definitivamente uma das minhas. Fico boba porque as possibilidades do céu são ilimitadas, as cores podem ser todas e o que se vê agora já é diferente do que se verá quando eu terminar de escrever isso aqui. O céu é o de um segundo, que está lá para quem quiser ver ou tiver a sensibilidade para se maravilhar com aquilo. Tem gente que não liga, tudo bem.

Fato é que aquele céu estava especial. O azul era escuro mas ainda azul, a lua estava grande e redonda e as nuvens, ah as nuvens, elas estavam baixas, gordas e rosadas. As nuvens, chiquérrimas, estavam salmão.

Deitei no chão do terraço e lá fiquei, no silêncio das 2:30 da madruga de uma segunda para terça-feira, só olhando e registrando os relevos daquela coisa sem fim. Tudo se mexia lentamente e eu não conseguia para de olhar ou sair dali. O céu era só meu. Todo mundo dormia e eu engolia e aproveitava cada pedacinho do que ninguém mais via.

Mas merecia ver. Então fotografei. Para compartilhar o gostinho.

Dá para ter uma idéia do que eu estou falando.

É ou não é de babar? O céu é o cara.







quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Álcool Canforado

Sabe aquele tal Windex do filme casamento grego, o produto para limpar vidros que o pai da Toula usava para curar tudo?

O Windex do meu avô era o álcool canforado.

Botava álcool canforado em tudo que era problema de saúde. Frieira, dedinho quebrado, galo na cabeça, dor de ouvido, resfriado, mau jeito nas costas. Qualquer coisa era tratada (e quase sempre curada) com álcool canforado. Se médico dependesse do meu avô e da família dele para viver, ia morrer de fome facinho. Tudo graças ao bendito álcool canforado.

Aos quarenta e poucos anos meu avô descobriu que tinha diabetes e, de quebra, que o álcool canforado, que era bom para tudo, não fazia nem cócegas naquela doença. Ele continuou passando o álcool de cima abaixo mas teve que se render e viver os outros quarenta anos maneirando (ou tentando) na comilança, controlando o nível de glicose e tomando picada de insulina diariamente.

Depois de muito tempo a diabete venceu a briga e o meu avozinho se foi, deixando saudade, muitas histórias e a velha lição do álcool canforado. Minha mãe não passa um dia sem o seu vidro avantajado da mistura milagrosa. Eu, na cola deles, volta e meia apelo para o remédio vovozístico que, por incrível que pareça, resolve mesmo muita coisa.

Três pedrinhas de cânfora em um litro de álcool 92,8%. Deixe curtir, passe onde for preciso (com algumas poucas e óbvias restrições) e depois me conte. Receita caseira e infalível com os cumprimentos do meu querido e saudoso Orlando Munhoz.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Ciclo

Ciclo.

Ano novo.

A minha porção racional me diz que o reveillon na verdade não é nada de mais. Passagem de um dia para outro como outra qualquer, sem energias cósmicas especiais, sem atendimento a pedidos feitos entre pulos de onda. Apenas uma desculpa das boas para zerar tudo, renovar forças, fazer resoluções e tentar cumpri-las ao longo dos 365 dias que se seguirão.

Por isso mesmo que não pulo ondas, não acendo velas, não ligo para lentilhas, romãs ou outros rituais criados por sei lá quem. Respeito, claro, mas isso tudo não está em mim. Não tenho esse tipo de fé e para essas coisas a fé é tudo o que importa, certo?

A minha participação na festa se resume a estourar a champanhe (com direito a esguicho no melhor estilo fórmula 1), cumprimentar pessoas queridas desejando-lhes de coração que os seus desejos mais especiais sejam realizados, olhar os fogos com olhos marejados de criança e por fim seguir até o mar, observando sem pressa aquela imensidão toda, a força escondida no ir e vir das ondas, sentindo o movimento ao redor das minhas pernas enquanto agradeço por tudo o que o ano velho me proporcionou.

Este ano, excepcionalmente, acrescentei um pedido aos meus pensamentos diante do mar. Pedido simples, sincero, seguido do arremesso de uma flor na contra-mão das ondas, pequena e branca, que partiu boiando agitada em meio às cores e aos desejos de dúzias de flores alheias.

Sentada na areia, recolhida, só observei as pessoas e os seus rituais.

Bonito de se ver, a fé.

Que 2009 possa recompensar todo esse acreditar.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E — ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

Mário Quintana