sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Natal

Natal.

Casa da vó. Respira, sossega, esparrama no sofá.

Acabou 2008.

Família junta, toda junta, comida (muita comida), risada (muita risada), cheiro de vinho, papel dourado, fita, Luke prá lá e prá cá, música de criança. Criança. Risada, muita risada.

Adoro Natal. Sempre adorei, desde sempre, desde quando eu era a criança rodeada pelos adultos babões que hoje, junto comigo, babam na minha pequena gorducha.

Cinco anos atrás meu avô estava entre nós, assobiando e ouvindo as suas músicas de Natal no vinil. Ano passado meu tio querido ainda estava com a gente, fraquinho já, se divertiu, morreu de rir, comeu de tudo. Ontem nenhum dos dois estava mais por aqui, ausências sentidas ao redor da mesa nos seus lugares de sempre. Saudade das gargalhadas deles. Saudades do meu avô com o gorro vermelho, tomando vinho e falando alto com o palito de dentes no canto da boca. Saudade daqueles olhos verdes.

Ontem eles não estavam aqui e o Natal foi diferente.

Diferente também porque a Larinha chegou, radiante, sorrisão de 5 dentinhos, perninhas gordas que não param nunca e transformaram o ar da festa, que voltou a ser o Natal lúdico do menino Jesus e do papai Noel.

O Natal muda com o tempo. Um dia não será mais na casa da vó e as pessoas, as de hoje e outras que ainda não conhecemos, vão se reunir em outra sala e se esparramar em outros sofás. Algumas histórias serão as de agora, outras, novas, vão se somar a essas e as risadas, essas sim, serão as mesmas.

O Natal muda com as pessoas que passam e chegam. As histórias, porém, ficam, e com elas o espírito desse Natal que, passe o que passar, vai ser sempre deliciosamente Natal.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Beatles

Os Beatles são mesmo uma coisa doida.

Esses dias fui a um show da Cia. Filarmônica de São Paulo tocando “The Beatles Songs” e fiquei boba de ver a reação da platéia. Para começar, era a platéia mais heterogênea possível, com uma galera da idade dos meus pais (50 e poucos a 50 e muitos), mas também com uma quantidade enorme de pessoas de todas as outras idades: 8 a 80. Os tipos eram igualmente variados e iam dos mais estranhos, roqueiros e alternativos, aos modelos da família feliz tradicional papai-mamãe.

Na fila em frente à minha, 7 crianças cantavam todas as músicas enquanto chacoalhavam nas cadeiras e curtiam tudo como se estivessem no show do High School Musical 3 (elas sabiam muito mais letras do que eu). Junto com elas, 2 mulheres ferviam loucamente e pareciam tão crianças quanto a garotada ali ao lado.

Lá pelas tantas, no meio do show, eu tive que parar de fotografar para apreciar, com um sorrisão abobado na cara, aquela coisa doida que era o teatro inteiro balançando nas poltronas, curtindo e cantando junto as músicas daquela banda de 50 anos atrás.

Aliás, só música boa. Duas horas de som genial, muito bem tocado e cantado e com toques de humor. No fim, bis com o teatro todo de pé dançando Twist and Shout, eu inclusive, entre uma foto e outra.


De tempos em tempos aparecem caras assim, que quebram tudo, revolucionam, chacoalham e não passam nunca, mesmo muito depois de terem passado por aqui. Absolutamente geniais.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Barata

Me diz uma coisa: como é que se mata uma barata quase do seu tamanho?

Eu estava de boa em casa, assistindo House e comendo panetone quando o Luke começou a dar looping pela sala, correndo como doido atrás de algo que eu desconhecia mas sabia que boa coisa não devia ser.

Não seja uma barata, não seja uma barata...

É, não era uma barata, era a barata. Jesus. O bicho tinha uns três metros de envergadura e umas antenas parabólicas de arrepiar a sobrancelha (para não dizer outra coisa). Parei tudo e fiquei ali, de pé, pensando que eu teria que criar coragem, sacar as havaianas e macetar aquela coisa nojenta. O Lu, por sua vez, nem tchum para o meu desespero. Estava mesmo é adorando aquele brinquedo novo interessantíssimo que corria desembestado de um canto para outro e que era muito mais legal que a garrafa pet ou o ossinho de couro de boi.

Quando eu peguei o chinelo, ela parou. Deve ter percebido que eu estava em posição de ataque e me encarou, antenas mexendo alucinadamente e a cabeça levantando e abaixando. Estava gargalhando da minha cara, a praga do inferno. Eu só conseguia pensar no crec do impacto do chinelo, no tanto de gosma radioativa que sairia daquela barriga encouraçada e na possibilidade do monstro não morrer e ainda sair correndo para cima de mim.

E então, naquela pausa tensa, no clímax do embate, ela voou.

Que coisa terrível é o barulho de barata voando, gente. Plec, plec, plec para cima de mim e eu só tive tempo de gritar, correr e ver ela entrando no banheiro para descansar as patas horripilantes no vidro do box.

Naquele momento eu desisti. Que covardia: uma barata superdesenvolvida e ainda por cima voadora contra a pobre donzela indefesa aqui. Não tive dúvidas. Fechei a porta do banheiro, coloquei o tapete na fresta para ela não botar as asinhas de fora e deixei a bomba encouraçada para a faxineira matar no dia seguinte.

Fá, tem uma barata gigantesca no banheiro de cima para você matar. Boa sorte. Se você não voltar em uma hora eu mando reforços”.

Agora me diz se a faxineira achou a bicha. Necas. Sumiu a desgraçada e no way que ela foi embora pelo ralo. Um rinoceronte de antenas daqueles não passaria no buraco do ralo. Ela ainda deve estar por perto. A noite vai ser tensa. Por via das dúvidas comprei um inseticida especialmente desenvolvido para trucidar baratas.

Pode chegar que eu estou munida de armas químicas, meu bem. Sem crec, sem gosma, sem contato físico e com mínimo contato visual. Hoje você já era.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Gido

“Eu lembro até hoje de quando saí correndo para abraçar a minha mãe no jardim interno do Centro Médico e blougdblurborb...”

Tudo o que ela disse depois de “Centro Médico” é um bololo para mim. Toda vez que o tal hospital vira assunto ou aparece em alguma conversa, a sensação de ver o meu avozinho pela última vez volta inteira, como se eu tivesse olhado naqueles olhos ontem mesmo, fim de tarde, nos corredores do segundo andar.

Aquele dia foi tão, tão especial. Apesar do susto, apesar de ele estar internado e fraquinho já, apesar de estarmos em um hospital, o que me vem até hoje daquela tarde é o sorriso gostoso, gargalhante, do meu avô querido. Ele estava no quarto, quietinho, meio jururu, até que eu e a minha irmã raptamos a cadeira de rodas (com ele em cima) e saímos pelos corredores, brincando, fazendo manobras radicais e contando as piadas que ele sempre contou para nós. Isso durou o que para mim, dez anos depois, parecem horas, até que paramos em frente ao jardim e ali ficamos, olhando as pessoas e o verde das plantas em total silêncio por uma eternidade. Tudo já estava dito. Tudo já tinha sido dito nas curvas daqueles corredores.

Hoje eu sei que aquela tarde foi a nossa despedida. Do jeito dele, divertida, leve, cheia das piadas fofas que ele contava todas as vezes que chegávamos no apartamento da rua Veiga Filho para os almoços de domingo. A gente sempre ria. A gente ria mil vezes, todas as vezes. Não por respeito ou qualquer outra razão, mas porque elas eram mesmo engraçadas quando ele contava como só ele sabia: sotaque forte, voz rouca, jeitinho carinhoso de vô.

Dois dias depois eu o vi de novo pela fresta da porta da UTI, tubo na boca, corpo exaurido, enrugado, olhos fechados, barulho agudo e angustiante do monitor cardíaco que naquela noite apitaria e faria o telefone de casa tocar no meio da madrugada.

Saudades, gido. Muitas. Imensas. Dos seus olhos, do seu sorriso, dos nossos passeios gargalhantes pelos corredores e de todos os nossos outros passeios gargalhantes por aí.