segunda-feira, 9 de junho de 2008

A Senhora dos Gatos

Caminhávamos pelo parque naquele sábado à tarde. O objetivo era colocar o corpinho em movimento, oxigenar os pulmões, queimar a picanha da véspera e papear. O dia prometia e aquela atividade fitness despretensiosa parecia o recheio perfeito para aquelas horas ociosas.

Aliás, horas ociosas são coisa rara em nossas vidas de século XXI. Fazemos e fazemos e fazemos, e nos lendários momentos em que nada temos a fazer, arranjamos algo. Pois o tal passeio no parque foi o algo da vez.

É engraçada a variedade de figuras que encontramos nessas ocasiões. Uma lista não exaustiva inclui famílias barulhentas, malhadores profissionais, biólogos catalogando borboletas e animaizinhos estranhos, excursões de evangélicos, estudantes comendo pipocas cor de rosa e adolescentes aos pares com hormônios pululantes. Aparentemente os parques públicos abrigam todos os tipos malucos. Lá estávamos nós.

Pois bem, lá pelas tantas avistamos uma senhorinha nipônica, magrinha, de andar etilo gueixa, com um carrinho de feira cheio de pacotes. Pensei: “pronto, mais uma pinéu das boas para a minha listinha não exaustiva”. Engano meu.

Conforme nos aproximamos, pudemos perceber que os pacotes que preenchiam o carrinho de feira eram sacos de ração para gatos de várias cores e tamanhos. Delicadamente, passinhos de gueixa sorrateiros levaram-na até um felino negro desconfiado, provavelmente inquilino clandestino do parque, que ao reconhecê-la abandonou a cautela e deixou-se tocar.

Aquela figura que dedicava o seu sábado a alimentar gatos do parque me fascinou. Ela não era uma visitante eventual. Tinha aparatos próprios, método, conhecia as moitas e os seus moradores. Era uma habitue. Uma profissional da alimentação pública felina.

Qual seria a sua motivação? Ao contrário de nós, com nossos afazeres múltiplos, interesses múltiplos, compromissos múltiplos, ela parecia não ter nada mais no mundo a fazer a não ser estar ali, alimentando gatos que nem eram seus.

A Senhora dos Gatos aparentemente escapou da vida no século XXI e voltou aos idos em que os dias tinham de fato 24 horas, equilibradamente distribuídas entre afazeres inadiáveis e lazeres compensatórios. Não sei ao certo dizer se para ela a alimentação dos gatos pertencia à primeira ou à última categoria.

Fato é que ela estava ali, feliz, realizando-se ao cuidar dos felinos que, pensando bem, eram mesmo seus. Comiam de suas mãos, roçavam-se em suas pernas, ronronavam com seus afagos. Apenas não moravam em terreno seu. Mero detalhe. Aqueles gatos eram mais seus do que muitos animais confinados em casas e apartamentos por aí.

A julgar pela expressão em seu rosto, acredito que aquela deva ser a parte mais importante de seus dias. Um momento especial, esperado, de realização. Nada conheço de sua vida, mas posso imaginar perfeitamente a Senhora dos Gatos sozinha em seu apartamento de um quarto, repleto de bibelôs e toalhas de crochê, preparando cuidadosamente o carrinho de feira.

Imagino-a só no mundo dos humanos do século XXI e acolhida no mundo dos felinos atemporais. Os gatos precisavam dela, ela lhes era útil e querida e isso lhe dava motivo suficiente para seguir em frente.

Naquele dia fiz mais do que oxigenar os pulmões, queimar a picanha da véspera e papear. Conheci a Senhora dos Gatos que agora habitaria a minha consciência de tempos em tempos e me faria inevitavelmente refletir: serei eu uma Senhora dos Gatos daqui a algumas décadas? Estarei só no mundo dos humanos agarrando-me a felinos para sobreviver? Tenho amigos, minha família, uma vida profissional atribulada, inúmeras atividades, mas como saber se aquela senhora não foi exatamente assim, 40 anos atrás? Aparentemente as amizades, a família e os afazeres inadiáveis se esvaecem com os anos, restando-nos tempo demais. Dormiremos menos, as horas serão longas e ociosas.

Ao menos gosto de gatos. E cães.

2 comentários:

Menininha bossa-nova disse...

Ju, prometo q, se eu ficar sozinha e vc tb na vida, eu vou junto com vc dar comida pros gatos! Juro! Rodeada por gatos e servindo café frio pra bêbados de beira de estrada e todo aquele texto q vc não deve se lembrar mais, hihihi.

Ah, ela ama nóis! Ela é boa pra nóis, eu sabo de todo (com a voz).

Q bom q vc voltou à ativa! Hj tem uns textinhos revoltadinhos no meu... mas tudo bem, hihihi.

Candice disse...

Amei Juju, essas pessoas são mesmo incríveis... Também quero ser assim, quem sabe vamos alimentar os fofuchos juntas né!
Saudade!