sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Folhetim Vagabundo - História 8, Capítulo 4




Essa história começa aqui: http://derrubandoparedes.blogspot.com/2009/11/folhetim-vagabundo-historia-8-capitulo.html

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Sempre tive uma vontade estranha de acabar os meus dias mergulhando no ar em direção ao por do sol, uma coisa bem estilo Thelma & Louise, carro voando, sorrisão na cara, linda. Mas e coragem?

Pois é, agora, mundo acabando, xeque-mate geral, esse me pareceu o jeito perfeito de encerrar os trabalhos por aqui. Eu só precisaria preparar o carro, dar um jeito na cara, nas vestes, no todo, encontrar um desfiladeiro de frente para o sol avermelhado e... Voar. Esse seria o meu ritual, o meu grand finale. Ah como seria lindo... Não fosse a impossibilidade completa de andar meio metro com o carro pela rua. Aparentemente a ficha da galera havia caído de vez e o povo resolveu pirar, fazer o que desse vontade e mandar as regras sociais e as normas de trânsito às favas.

É, o meu final poético mergulhando para o por do sol não ia rolar. Resignada, desci do carro e saí andando pelas ruas em direção à minha casa, olhos, nariz e ouvidos atentos como nunca, aguçados pelo caos ao meu redor e pela sensação de presenciar tudo pela última vez. Gritos, sirenes, vozes em oração, choros, motores de avião e o céu avermelhado me invadiam por todos os lados e me preenchiam o peito e eu, inexplicavelmente, estava absolutamente calma.
Como é estranha e poderosa a aceitação do fim.

Andei e andei e andei, vi as cores inéditas sob o céu carmim, olhei em olhos como nunca havia feito, chutei as poças, pisei descalça na grama, tomei sorvete sujando o rosto e a roupa, cantei alto pela rua, cocei a barriga do cachorro sarnento da esquina e gargalhei feito doida, braços abertos, cabeça baixa, girando e girando e girando até a tonteira não me deixar mais de pé, e então à minha frente surgiu a minha casa.

Girei a chave e entrei dando uma última olhada no resto de mundo às minhas costas. Um fiapo quase arrebentado de mundo que logo seria poeira cósmica ou sei lá o quê, mas isso também não faria a menor diferença. O mundo deixaria de ser mundo e só. Ponto final.

Fui deixando as roupas pelo caminho em direção ao banheiro, enchi a banheira branca, acendi as velas ao redor, escolhi cuidadosamente o CD e apertei o play.

[Ouça a partir daqui: http://www.youtube.com/watch?v=qOVwokQnV4M ]

A melodia começou a soar enquanto os meus pés, pernas, nádegas, o meu corpo todo submergia e era envolvido pela água morna levemente perfumada. A penumbra do banheiro seria o cenário perfeito, Bach a trilha mais linda que eu poderia ter e eu juro que nunca havia sentido tanta paz. Mergulhei a cabeça até colocar os ouvidos dentro da água, fechando os olhos e deixando as notas ressoarem filtradas pelo líquido, distantes, etéreas, massageando o peito e me carregando para um estado de quase inconsciência quando de repente... Péééééé. A campainha.


Quem seria àquela hora de fim do mundo?

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O fim, aqui: www.olhosrecemnascidos.blogspot.com

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