terça-feira, 6 de outubro de 2009

Wuppertal

Quase uma aparição. Esguia, pálida, cabelo mirrado, camisola escorrida e transparente pendendo de ombros que lançavam braços inacreditáveis.

Inacreditáveis.

As linhas, a delicadeza daquelas mãos tingindo de música o ar, as notas sentidas, dilacerantes. Lindas.

Nos olhos cerrados uma emoção imensa, nos rostos, todos os porquês. Corpos inquietos e vulneráveis entre móveis escuros, o humano errante abrindo passagem, criando caminhos estreitos, abrindo clareiras. Delicadeza e opressão, fragilidade e resistência interagindo, pinçando olhos.

Angústia.

A repetição do desespero nos gestos, nos corpos debatendo-se contra barreiras intransponíveis. Cabelos vermelhos saltitantes, uma camisola no chão, um corpo na mesa. De novo, de novo. Uma vontade de espaço desesperadora. Corpos confinados. Um sorriso em meio à angústia.

O primeiro fim.

Café Müller (1978) foi assim, um soco no estômago permeado de delicadeza. Nem dança nem teatro, o humano escancarado e inquieto sob os holofotes.

E então o palco se cobriu de terra escura, luzes sobre o corpo de mulher estendido no tecido vermelho. Stravinsky tomou o teatro e os movimentos de 35 corpos materializaram a música, dando-lhe outra dimensão. Eu via as notas pelos olhos de Pina, pés jorrando terra, ar enevoado nos feixes de luz, corpos ficando suados, ficando escuros, virando bicho.

A massa se movia pulsando e vazando em movimentos iguais mas não idênticos, marcados pelas sutilezas do individual. Uma massa respirante, transpirante. O som forte e animal das expirações, o vai e vem de barrigas e peitos buscando ar.

Um vendaval.

Sagração da Primavera (1975) é uma experiência que não se explica. É dança que pode ser vista de olhos fechados e música que pode ser ouvida sem ouvir, dada a intensidade de estímulos vindos de movimentos, de impactos, de ruídos, de olhares, de grunhidos e respirações. Corpo falando com corpo, sem intermediários, sem interpretações.

Eu prendi o ar sem perceber e pedi para aquilo não acabar.

E veio o segundo fim.

Palmas, Pina. Sempre. À tua obra, atemporal vez que essencialmente humana, transformadora de corpos e mentes, inexplicavelmente sensível e genial.

Café Müller

Sagração da Primavera

Um comentário:

Rafa Souza disse...

Ju!!!!!!!!!

Adorei o texto! Realmente é isso que todos sentimos quando vimos!