Quase uma aparição. Esguia, pálida, cabelo mirrado, camisola escorrida e transparente pendendo de ombros que lançavam braços inacreditáveis.
Inacreditáveis.
As linhas, a delicadeza daquelas mãos tingindo de música o ar, as notas sentidas, dilacerantes. Lindas.
Nos olhos cerrados uma emoção imensa, nos rostos, todos os porquês. Corpos inquietos e vulneráveis entre móveis escuros, o humano errante abrindo passagem, criando caminhos estreitos, abrindo clareiras. Delicadeza e opressão, fragilidade e resistência interagindo, pinçando olhos.
Angústia.
A repetição do desespero nos gestos, nos corpos debatendo-se contra barreiras intransponíveis. Cabelos vermelhos saltitantes, uma camisola no chão, um corpo na mesa. De novo, de novo. Uma vontade de espaço desesperadora. Corpos confinados. Um sorriso em meio à angústia.
O primeiro fim.
Café Müller (1978) foi assim, um soco no estômago permeado de delicadeza. Nem dança nem teatro, o humano escancarado e inquieto sob os holofotes.
E então o palco se cobriu de terra escura, luzes sobre o corpo de mulher estendido no tecido vermelho. Stravinsky tomou o teatro e os movimentos de 35 corpos materializaram a música, dando-lhe outra dimensão. Eu via as notas pelos olhos de Pina, pés jorrando terra, ar enevoado nos feixes de luz, corpos ficando suados, ficando escuros, virando bicho.
A massa se movia pulsando e vazando em movimentos iguais mas não idênticos, marcados pelas sutilezas do individual. Uma massa respirante, transpirante. O som forte e animal das expirações, o vai e vem de barrigas e peitos buscando ar.
Um vendaval.
Sagração da Primavera (1975) é uma experiência que não se explica. É dança que pode ser vista de olhos fechados e música que pode ser ouvida sem ouvir, dada a intensidade de estímulos vindos de movimentos, de impactos, de ruídos, de olhares, de grunhidos e respirações. Corpo falando com corpo, sem intermediários, sem interpretações.
Eu prendi o ar sem perceber e pedi para aquilo não acabar.
E veio o segundo fim.
Palmas, Pina. Sempre. À tua obra, atemporal vez que essencialmente humana, transformadora de corpos e mentes, inexplicavelmente sensível e genial.
Sagração da Primavera
Um comentário:
Ju!!!!!!!!!
Adorei o texto! Realmente é isso que todos sentimos quando vimos!
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