Tenho dividido apartamento com três urubus.
Sim, é verdade. E não estou falando de urubus da espécie humana, daqueles que por terem comportamento de rapina são carinhosamente apelidados com o nome da ave carniceira. Felizmente não se trata desse tipo medonho de urubu.
Tenho realmente três gigantescas aves negras de bico curvo circundando minha casinha suspensa.
Outro dia estava eu assistindo a qualquer coisa na TV quando percebi um vulto negro passando por sobre o terraço. Que estranho, pensei. Logo depois, vulto novamente. E de novo. Quando saí para ver, lá estava o trio sinistro pousado nas antenas do prédio ao lado, olhando para mim.
Mais do que depressa entrei, peguei minha câmera e fui, toda feliz, registrar aquele momento especial. Com a máquina a postos, observei pelo visor que os animais aproximavam-se demais. Meu zoom não costumava ser tão poderoso assim. Foi então que percebi que eles estavam, na verdade, vindo em minha direção. Eu estava sob ataque.
Por algum motivo obscuro meus novos vizinhos não haviam gostado de mim. Talvez fossem tímidos ou eu estivesse tentando registrar-lhes o perfil ruim. Talvez fossem como alguns amigos meus que, ao me verem apontar-lhes a câmera, têm acessos de raiva e saem desembestados em sentido oposto. Os urubus, no caso, foram mais agressivos e decidiram partir para cima de seu observador.
Entendi o recado, guardei a câmera, recolhi meu cachorrinho e fechei todas as portas e janelas. E não pensem: “que exagero”. Como diria minha avó, os bichos eram maiores que um dia sem pão. Com as asas abertas, tinham a mesma envergadura que eu de braços estendidos, ou seja, considerando que eles eram três, têm bicos afiados, unhas de predadores e sabem voar, a briga seria das boas. A hora era perfeita para tirar o time de campo.
Passei aquela tarde com o nariz na porta de vidro observando a movimentação de meus novos e nada amistosos vizinhos. “E agora?”, pensei. Teria eu de viver trancafiada em meu próprio apê até o fim dos dias daqueles animais? Quantos anos vive um urubu? Eu precisava descobrir.
Alguns minutos após, o Google me disse que os adoráveis Ciconiiformes vivem cerca de cinco anos na natureza, podendo chegar a até dezesseis em casos não usuais e a até trinta anos em cativeiro. Eu estava perdida. Só poderia sair em meu terraço novamente quando já tivesse netos. Isso não estava certo.
Eu sei que os grandalhões têm a sua função ecológica, pois gostando de carcaças como gostam, acabam livrando o mundo da podridão e do mau cheiro de carniça que ninguém merece. Agora, vamos combinar, na minha casa? Em um lugar limpinho, cheiroso e obviamente desprovido de carcaças em decomposição, os tais lixeiros do reino animal não teriam utilidade alguma. Ao contrário.
Decidi então tomar uma atitude drástica: falar com a síndica. Expliquei-lhe a situação, descrevi a tentativa hostil de ataque e pedi-lhe providências. No manual dos síndicos deveria haver alguma dica sobre como proceder em casos assim.
Não havia. Nada obviamente foi feito e eu tive que me adaptar às novas condições de moradia.
Nos dias que se seguiram fui gradativa e cautelosamente voltando a freqüentar meu terraçinho. Sempre que abria a porta, olhava ao redor e saía, pé ante pé, para certificar-me da segurança contra ataques aéreos.
Avistei-os muitas vezes depois daquele encontro fatídico e acredito que eles devam ter se acostumado com a minha presença, pois nunca mais arremeteram contra mim ou esboçaram qualquer atitude ameaçadora. Apenas me olham, de longe.
Por via das dúvidas, para o bem da boa convivência e de minha integridade física, nunca mais apontei-lhes a câmera. Quando não se gosta de fotos é melhor não insistir.
Um comentário:
Deus meu!! Por que vc não me contou isso??? Como vou fumar agora na sua casa??? Como pude dormir lá essa noite sem saber desse perigo iminente??????????
Tô bege... como a asa do urubu albino.
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