sábado, 10 de maio de 2008

Dança

A minha relação com a dança é uma coisa estranha.

Eu comecei a dançar há tanto tempo que as minhas primeiras apresentações nem pertencem às minhas memórias acessíveis. Eu sei que dancei aquilo por que me vejo nas fotos, e só. Também não me lembro da minha primeira sala de aula, dos primeiros passos. Tenho apenas uma vaga sensação de que ela existiu, vejo um pedaço da escada, um sorriso da tia Nanda. Tudo difuso e distante.

Com três aninhos de idade eu grudava na TV toda vez que via uma bailarina de tule. Eu também não me lembro disso, mas a minha mãe diz que eu nem piscava. Ela podia fazer de tudo, até dizer que a comida estava na mesa que eu nem dava bola. E olha que a minha relação com os comestíveis sempre foi intimíssima.

O ballet superava tudo.

Ela caiu então na besteira de me levar para ver, ao vivo, a apresentação do Lago dos Cisnes. Não sei se pela genialidade da coreografia do Petipa, se pela dramaticidade da história ou se pela música absolutamente perfeita de Tchaikovsky, pirei na batatinha e não sosseguei até ela me matricular em uma escola que me ensinasse a fazer aquelas coisas fantásticas. Eu queria ser bailarina e ponto.

Comecei empolgadíssima. Levava tão a sério que devia ser uma chata insuportável. A professora mandava dançar com a cabeça para cima, eu me esticava toda; pedia para seguir o ritmo da música, eu contava alto para que as coleguinhas tapadas seguissem também. Nos dias em que por qualquer infortúnio eu tinha que faltar à aula, meu-Deus-do-céu: terceira guerra mundial dentro da minha casa.

Os anos foram passando e eu continuei dançando, mas aquele fogo todo foi diminuindo, a empolgação desaparecendo à medida que as injustiças do ballet me foram apresentadas, paulatinamente. Eu não sobrevivi à ditadura do físico perfeito, o ballet profissional não era para mim e eu não era para ele. Deal with it.

Àquela altura a dança já estava em mim e ao invés de desistir eu resolvi diversificar. Fiz um pouco de tudo, aprendi a gostar dos outros estilos a ponto de me perdoar por não ter sido a bailarina de tutu que eu havia idealizado. Esqueci um pouco do ballet e ele de mim.

As responsabilidades da vida adulta se acumulavam nas minhas costas e eu percebi que não seria bailarina, com ou sem tutu. Fazer o quê? Eu precisava daqueles movimentos em mim, eu precisava da música no meu corpo, guiando os meus músculos e a minha respiração. Segui dançando sem maiores pretensões. Eu dançava por dançar.

Há alguns anos fui parando, parando... Parei. Me afastei e segui com a vida que eu tinha construído, mas não havia um dia sequer em que eu não sentisse falta da sensação de dançar.

Dançar faz parte de mim e o mais engraçado é que eu nunca danço quando estou sozinha. Sabe aquela coisa que todo mundo faz, que aparece nos filmes e nas propagandas alegrinhas da TV? Eu não faço. Não danço pela casa, não danço no chuveiro, não danço na frente do espelho. Não rola. Simplesmente não tenho vontade e não me pergunte o porquê. Ao mesmo tempo, quando dançava por aí, teatro cheio, refletores, buchicho nas coxias, eu dançava sozinha. A melodia começava e eu só existia. . Meu corpo se lançava por conta e me levava com ele para um lugar familiar em que tudo é simples e nada mais importa. A música me dizia o que fazer, eu só obedecia. E desfrutava.

Há pouco parei de me contrariar e voltei a dançar. Uma hora e meia, duas vezes por semana – melhor do que nada. É a minha natureza e não se pode fugir do que se é. Estou em casa no meu corpo novamente.

Um comentário:

Candice disse...

É amiga, temos uma história em comum com o ballet, ah essas perninhas grossas rs... O bacana é isso mesmo, dançar sem compromisso, não pare nunca porque vc arrasaaaaa!!!
Saudade!
bjkinhas