quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Clarice

- Eu traduzo tudo para o francês, disse me mostrando o catálogo do Pão de Açúcar na sua mão.

Uma senhorinha conversadeira de fila.... Adoro. Elas falam sobre tudo, são ótimas.

- Jura? A senhora fala francês fluente? Morou na França?

- Não, Canadá.

[Cara de hum balançando a cabeça]

- Como não tenho com quem falar, traduzo as coisas para não esquecer. Você fala?

- Francês? Infelizmente não, mas acho lindo demais.

Acho mesmo. Um dia ainda vou falar francês...

- Ah, que pena... Minha filha, que calor. Eu vim andando lá do centro e agora cansei, viu. Tô suando aqui. O duro de andar em Campinas é que não tem ninguém para conversar pelo caminho. Ninguém. As pessoas na rua são poucas e não gostam de falar assim, com os estranhos.

- É difícil conhecer gente por aqui, né?

- Difícil demais, minha filha. Campineiro é muito arisco. Ah se fosse em Serra Negra. Em Serra Negra tem muita gente na rua e todo mundo gosta de conversar. Achei até gente que falava francês. Outra coisa, outra coisa.

- É verdade, menos pressa e menos desconfiança né?

- Muito menos. Mas não é só isso, parece que por aqui ninguém gosta de conhecer gente.


É, o campineiro típico é um bichinho difícil de acessar... Ponto para a senhorinha.

Ela estava tão feliz papeando ali comigo que eu fiquei até de bode quando chegou a vez dela na fila do café. Tadinha, deve ser sozinha, viver o dia todo sem ninguém em um apartamento vazio com toalhinhas de crochê no centro da cidade. Eu queria mesmo era ficar ali falando com ela. Ela tinha tantas histórias, histórias do Canadá, de Serra Negra. Ela sentia falta de gente.

Eu estava ali pirando e sofrendo na da senhorinha quando chegou o seu exmo. senhorzinho “Clarice, pára de falar e faz logo o pedido. Que coisa.” , disse meio que se desculpando do falatório para o meu lado. Eu sorri um riso de tudo bem e pensei que a Clarice não vivia sozinha, afinal, mas provavelmente vivia só, entre catálogos de supermercado que traduz para o francês para não esquecer, por não ter com quem falar. Triste né?

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