domingo, 5 de outubro de 2008

A Flor

A mulher estirada na rua. A flor violeta, há pouco apanhada, contrastava com o escuro do asfalto e fazia com o vermelho uma estranha composição. A criança soluçava e tremia na calçada, os olhos vidrados na flor.

A flor que era para ela. Tão bonita aquela flor. Tão linda que atraiu dois pares de olhos e um sorriso largo da boca menor. “Olha mamãe, a flor parece você”. Os olhos de mãe brilharam e um sorriso se virou para os olhos pequenos, brilhantes, e lá permaneceu quando trilhava o caminho da flor. E cresceu, contrastando o seu branco com o violeta no caminho de volta, interrompido.

Olhos de mãe não enxergaram e pararam de brilhar. Opacos, virados para a flor.

Olhos de criança enxergaram tudo e, opacos que se tornaram, brilhariam somente quando molhados, muitas vezes depois.

A mãe não mais seria. Ela morreria tantas vezes quantas os opacos olhos de criança vissem flores, violeta, carro, vermelho, asfalto, sorrisos de mãe.

A criança jamais seria o que teria sido se não fosse a flor.