quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Eu e as Senhorinhas

“Ju, vai rolar a sessão de fotos no lar das senhoras amanhã às 9:30. Você pode?”

Posso, claro” Podia nada. Dei um jeito. A verdade é que fazer trabalho voluntário em lares de idosos é uma vontade antiga minha e eu não ia perder essa chance por nada.

Cheguei e já fui recebida por uma dúzia de sorrisões, devidamente acomodados nas poltronas na frente da instituição. Dava para sentir no ar a animação delas com o acontecimento que se aproximava. Elas seriam as nossas top models naquela sexta-feira e estavam ansiosíssimas.

Fui conversar com as outras fotógrafas que estavam lá dentro enquanto as senhorinhas foram chegando, devagar, braços dados, algumas com bengalas, outras amparadas pelas funcionárias.


Chegaram falantes, já. “Eu moro aqui. Eu aqui. Essa é a minha casa, vocês vão entrar depois para um café, né?” (o lar é bem legal e algumas moram em casinhas individuais ou para duas pessoas). Elas falavam sem parar, entre elas, conosco, até que uma chegou, quieta. “E a senhora, onde mora?” Perguntei, puxando papo.

“Eu moro no ar.”

“No ar?”

“É. O vento bate e a gente voa.”

Não, ela não está louca. Ao contrário. Coisa mais linda, isso. Imaginei aquela senhora, a dona Rita, sentada no banco do jardim, longe dali. Os olhos dela me diziam mesmo que ela não morava naquele lugar. Ela morava no mundo, nas memórias das sensações que o vento, o mesmo de outros tempos, trazia de presente quando assobiava nos seus ouvidos. Senti aquele familiar bololo na garganta e respirei fundo para não causar uma commotion ali, logo de cara. Segura o tchan, mulher. A idéia era fotografar as mulheres felizes, sorridentes, e uma fotógrafa esgoelante não teria exatamente esse efeito.

Vocês precisavam ter visto, elas estavam lindas. Cada uma ao seu estilo, haviam se aprumado todas. Puseram o melhor vestido, tiraram as jóias da caixinha de música e levaram para tomar sol, coloriram as bocas, os olhos e as bochechas enrugadas, arrumaram os cabelinhos brancos e ralos, puseram echarpes e chapéus. Algumas se enfeitaram com flores e passaram esmalte cor de rosa.

Curiosas que só elas, não perdiam um movimento nosso. Quando sacamos as câmeras e começamos a ajustar as definições, o alvoroço foi geral. Poses disfarçadas começaram a pipocar, algumas nervosas, outras atiradas, nenhuma indiferente. Eu queria fotografar tudo, todas ao mesmo tempo, e guardar aquela alegria generalizada para espalhar por aí, mostrar e levar de volta para elas, ampliada em um porta-retratos. E fui, me realizando com as mais de 400 fotos tiradas em uma hora e meia de convivência com aquelas mulheres maravilhosas.

Sentaram em todos os bancos do jardim, andaram pra lá e pra cá (provavelmente mais do que andariam durante uma semana toda de calmaria), posaram sós, em duplas, em trios, em grupos. Fizeram piadas, contaram das aventuras juvenis, falaram, saudosas, de maridos, filhos e netos. Falaram da solidão.

Hoje eu sei que a dona Eiko morre de saudade do neto que está no Japão e escreve para ela de vez em quando, mas não tanto quanto antes; sei que a dona Dalila tem 93 anos de idade e a vaidade de uma adolescente e adora receber as amigas em sua casa para uma boa conversa; sei que a dona Abigail de 89 anos foi casada e muito feliz com o maridão, que se foi e deixou muita saudade e a aliança que ela exibe orgulhosa levantando o dedo médio (sim, o médio); sei que a dona Odete, que normalmente nunca chora, tem ficado com os olhos marejados de tanta dor nas articulações por motivos que os médicos ainda desconhecem, mas que os exames estão marcados para a semana que vem. Sei que apesar da dor imensa, ela se levantou e, devagar, bem devagar, amparada pela enfermeira, andou até a cadeira da varanda para posar para mim, e chorou.

Sei que uma delas, de quem não consigo me lembrar o nome, pegou a minha mão quando eu fui me despedir e não quis mais soltar. Ela não disse nada, apenas segurou forte e me olhou, sorrindo. Sei que elas, e não só a dona Rita, realmente moram no ar e voam com o vento, e sei que eu não vejo a hora de voltar lá para encontrar aquelas senhorinhas de novo.








link para outras fotos:

11 comentários:

Candice disse...

Ah minha amiga, que experiência maravilhosa! Elas são mesmo uns encantos... Fiquei emocionada...
bjinhos

Anônimo disse...

Há algum tempo venho acompanhando seu blog, e confesso que é uma alegria ler seus posts. Este, especialmente, me fez lembrar minha avó (falecida em 2005) e suas jóias da caixinha de música...
Parabéns pela experiência, e pelo blog.
Abraço

Anônimo disse...

ai ai
não sei que está acontecendo comigo!
chorei aqui lendo seu texto..afe..

Anônimo disse...

sou eu
tatiana

Eduardo disse...

Lindo... Lindas... Lindas.

Marina F. disse...

Fotos lindas, pessoas lindas.
Amei, querida.

Li de Oliveira disse...

Que delicia de momentos que vc deve ter passado... Não é a toa que chamam de "melhor idade". Eu sempre sou assaltada pela curiosidade de saber o que deve ter se passado na vida de uma senhora ou senhor quando os cruzo pelas ruas... Ter experiencia é um dom. Aprender com elas é inteligencia. Beijosss.

Anônimo disse...

Belos comentários, grande iniciativa.
Acompanharei seus posts futuros.
Parabéns pelo trabalho.

Ju Hilal disse...

Obrigada queridos pelos comentários.
Fábio, apareça sempre!
Anônimo (rs) também, muito bem vindo!
Estão todos convidados para a abertura da exposição que acontecerá no Piola de Campinas, dia 8 de setembro e para me acompanhar nas próximas visitas às senhorinhas.
É só me contatar pelo juhilal@yahoo.com.
Beijos

Anônimo disse...

Amei o texto por três motivos: pelo texto em si, pq sei o quanto vc gosta de velhinhos e pq sei há quanto tempo vc fala que quer fazer algo com eles.

Anônimo disse...

Lindas as fotos,a experiência, e especialmente a iniciativa... fez com eu me lembrasse da minha infância em Minas quando eu ia com meu avô levar balas, fumo de corda e palha para o pessoal lá do asilo... eu conhecia todos os velhinhos pelo nome... bons tempos aqueles... beijocas, Cris.