quinta-feira, 6 de março de 2008

Margarida

Hoje fiquei sabendo que a Margarida morreu.

Não se engane, não se trata de nada relacionado a jardinagem.

Margarida era uma grande amiga dos meus pais, daquelas de encontros de casais, jantares, aniversários de criança. Eles se conheciam desde os tempos da faculdade. Uma daquelas raras amizades que carregamos conosco, que duram, que ficam.

Me lembro de inúmeras festas na casa da Margarida. Quando eu era pequena, naquela idade em que achamos que qualquer programa é a melhor coisa do mundo e que ficar em casa é uma perda total de tempo, eu adorava quando chegava da escola e meus pais diziam “hoje tem festa na casa da Margarida”. Isso significava encontrar outras crianças, me empanturrar de um monte de salgadinhos, tomar refrigerante (minha mãe sabiamente sempre regulou ao máximo o refrigerante) e assistir televisão até tarde. Ou seja, o paraíso.

As lembranças são muitas. Me lembro das brincadeiras, da disposição dos cômodos, da cor do carpete, dos gato-mias...Me lembro até de assistir à estréia do clip do Raul Seixas na TV da Margarida.

Com o passar dos anos, os programas por lá deixaram de apresentar atrativo para mim. Os interesses de uma adolescente passaram para trás os deleites gastronômicos e lúdicos daquele lugar e fizeram com que eu trocasse tais eventos por outros mais, digamos, promissores.

Poucas vezes voltei àquela casa. Poucas vezes revi a Margarida. Apesar disso, ela seguia comigo de alguma forma, todas as vezes em que eu recebia uma notícia sua: “A Margarida mudou para outra cidade, a Margarida arrumou tal emprego, o filho da Margarida entrou na faculdade...”. Seguia como seguem conosco os personagens distantes estampados nos jornais todos os dias, até que me disseram: “A Margarida morreu”.

Margarida não fazia mais parte da minha vida, não constava da minha agenda, não fazia mais aniversários, não era uma lembrança presente. Ela ficava lá, no passado, e aparecia muito raramente quando os devaneios familiares se embrenhavam pelos idos em que convivíamos. Mas ela estava lá, e era bom saber que em algum lugar existia a Margarida. Não existe mais.

Por incrível que pareça, e isso foi uma surpresa para mim, a partida dela deixou um estranho buraco, levou um pedaço esquecido que eu nem sabia mais que existia em mim. É como se uma parte da minha infância tivesse ido com ela. E doeu.

Sempre acreditei sermos formados pela soma do que guardamos de todas as pessoas que significaram ou significam algo de importante para nós, como uma colcha de retalhos. Hoje a responsável por um retalhinho colorido da minha colcha desapareceu, mas de alguma forma continuará por perto já que a colcha permanecerá.

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