segunda-feira, 31 de março de 2008

Crianças

Quatro crianças aparentemente de rua, com roupas sujas e rasgadas e um porta-níqueis na mão, adentraram o supermercado. Imediatamente, os funcionários do estabelecimento entreolharam-se e um deles correu ao encontro delas. Dirigiram-se aos corredores de chocolates e ovos de Páscoa com o funcionário atrás, sombreando-lhes.

Acompanhei a movimentação à distância. As crianças discutiam e argumentavam entre si, aparentemente buscando um consenso a respeito da escolha dos chocolates. O funcionário observava tudo bem de perto, atento e impaciente. As crianças ignoravam-no como se esta fosse a situação mais trivial do mundo. Como se já lhes fosse familiar. Devia mesmo ser.

Dirigiram-se, pois, ao caixa. Duas barras de chocolate ao leite na mão da menina aparentemente mais velha. Um dos garotos correu até uma das prateleiras e voltou com um pacote de salgadinhos e os olhinhos brilhando. Mostrou à mais velha. Ela acenou que não, ele murchou. O pacote voltou à prateleira.

Começaram a discutir sobre o pagamento e nesse momento não pareciam mais crianças.

“Vai dar R$ 4,26. Sobram R$ 2,44, certo?”

“Isso.”

“Por que não podemos levar o salgadinho?”

“Temos que levar o resto do dinheiro para a mãe.”

“Mas ela vai receber hoje.”

“Mesmo assim”.

Alguns adultos não saberiam fazer essa conta. Alguns adultos teriam atitude menos sensata. A maioria dos adultos levaria o salgadinho... Ou uma garrafa de qualquer bebida alcoólica que coubesse no orçamento.

A minha experiência no supermercado estava me tornando extremamente deprimida. Presenciar aquela situação me apertou o coração e comecei a pensar no que comprar duas barras de chocolate ou um pacote de salgadinhos significava para mim. Nada. Para aquelas crianças, seria o grande acontecimento do dia, da semana talvez.

Basta, pensei. Elas não mereciam aquilo. Ao menos não ali, naquele momento, na minha frente. Peguei duas barras de chocolate da prateleira e o pacote de salgadinhos e coloquei-os entre meus itens de compra. Paguei, recolhi minhas sacolas e acenei para que viessem até mim.

Vieram, desconfiados. Entreguei-lhes os produtos e observei, aliviada, o sorriso que apareceu nos rostinhos judiados daqueles pequenos. A mais velha me agradeceu.


Sorri e fui saindo, ouvindo ao fundo risadas gostosas entremeadas por uma acalorada discussão sobre como seria feita a divisão das guloseimas. Começaram a correr com os chocolates na mão, brincando de pega pelo estacionamento. Felizmente eram, ainda e apesar de tudo, crianças.

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