terça-feira, 8 de julho de 2008

Curso de Madrinha

Você vai ser madrinha da Lalá!”

Pirei. Fiquei feliz como há muito não ficava e saí beijando todo mundo, principalmente a pequena. É claro que eu tinha a esperança de ser a madrinha, é natural, única irmã da mãe, mais velha, apaixonada pelo pacotinho de gostosura... Mas daí a ter a certeza e a ouvir isso dos pais da criança, big diference.

Só tem uma coisa: precisa fazer o curso de madrinha sábado à tarde lá na igreja grande, na curva indo para o shopping. Não esquece!

É minha irmã, gente. Ela sabe que a chance de eu esquecer do tal curso seria imensa. Talvez por isso, ela, meu cunhado, meu pai, minha mãe e o Marco (tá, vocês não conhecem o Marco mas isso não faz diferença) tenham me ligado, mandado e-mails e deixado bilhetes na minha mesa durante a semana passada. Sábias manobras.

Funcionaram. Três horas da tarde em ponto lá estava yo, na nave da tal igreja grande-na-curva-indo-para-o-shopping. Eis que chegam minha irmã e meu cunhado. Isso não vai prestar, pensei.
Eu e a minha irmã temos um longo histórico de ataques de riso em situações envolvendo igrejas em geral. Anos e anos estudando em colégio Salesiano e indo à missa arrastadas nos transformaram em experts em nos divertirmos nessas situações.

O “curso” começou com a apresentação dos “professores”.

Casal número 1: Eu sou fulano (um tiozinho de cabelo branco, camisa jeans e voz rouca baixinha), casado há 32 dúzias de anos com a ciclana aqui (típica carola atarracada com cara de quem comeu e não gostou nada, metro e meio, óculos, olhar ameaçador), temos 3 filhos e fomos abençoados com 2 netos e mais um a caminho.

Casal número 2: eu sou beltrana (tiazinha com cara de gente boa, voz forte, articulada, OK), casada há 25 anos com o fulano aqui (tiozinho que eu juro que era uma mistura de Paulo Henrique Amorim, Sérgio Chapelen e William Bonner em iguais proporções, simpático, OK)
, temos dois filhos e estamos aqui para dar o curso hoje para vocês.

Dã. Jura?

Antes de começar, vamos orar”.

Pai nosso. Ave Maria. Uma oração que eu e noventa por cento da tchurma nunca tínhamos ouvido na vida. Musiquinha para Nossa Senhora. Sentamos.

A essa altura eu e a minha irmã já tínhamos munição para uns vinte minutos de piadas. Começou então o tiozinho de voz fraca do casal 1 falando sobre... Coisas úteis a uma madrinha, úteis na vida moderna, úteis na educação e formação do caráter de uma criança???? Nããããão. Falando sobre o Genesis. Sim, “e Deus disse, faça-se a luz” e por aí vai. Nããããão disse eu. Sábado à tarde, depois de ter dormido às 5 da matina e de uma feijuca, a voz do fulano parecia uma canção de ninar. O assunto era tão boring que nem potencial para piada tinha. Meu cunhado jogava Tetris e nós duas, mais metade da galera, estávamos quase dormindo quando, inesperadamente, a super carola entrou em ação.

A mulher saltou da cadeira, pegou o crucifixo e começou a falar com tanta pilha que só se ouvia o barulho da tchurma se levantando nas cadeiras para prestar atenção naquela pessoinha bizarra. Ela levantava a cruz, andava pela sala e gritava: “Olhem só, ele morreu por nós assim [abria os braços] e o que nós fazemos em troca? Vocês pensam nisso? Ele morreu assim [abria os braços de novo], assim [e de novo], e vocês? Vocês morreriam assim [de novo] por alguém? Por um desconhecido? Assim [de novo]?”.

Não sei bem como, lá pelas tantas, a mulher começou a falar sobre o aborto.

A criança? A criança é a manifestação da semente divina doada pelo pai à mãe. A faísca divina sai de lá [gestos ilustrativos] e tchuuum, é colocada na mãe para a geração do milagre.”

Aquele “tchuuuum” imediatamente virou um hit. Tudo agora era tchuuuum. A mulher era uma caricatura. E continuou.

Porque a pessoa que faz um aborto, que mata o seu próprio filho, vai direto para o tacho de fogo que é o inferno. Nossa Senhora de Lourdes [levantava o folheto ilustrativo], de Guadalupe [folheto ilustrativo], de Fátima [folheto ilustrativo] e muitas outras [!!!] nos mostraram que o inferno é isso mesmo, um imenso tacho de fogo, terrível, onde as pessoas são jogadas pela eternidade. Vocês querem isso para a eternidade de vocês?

Àquela altura a galera estava pirando. A mulher era uma alucinada, falava alto andando pela sala tentando assustar as pessoas com a sua história do tacho de fogo. Crianças choravam, alguns tinham os olhos arregalados, a maioria ria. Eu e minha irmã gargalhávamos quando ouvimos:

Eu estava me segurando mas não dá mais, é um absurdo a senhora falar assim. O inferno não é um tacho de fogo, é a ausência de Deus.”

Uma loira no canto da sala iniciou a discussão, o marido do lado, da cor de um tomate, se encolhendo na cadeira.

Sei que aquele debate sobre o tacho de fogo esquentou de um jeito que lá pelas tantas as duas estavam discutindo exorcismo, as habilidades voadoras de satã e a veracidade das imagens mostradas pelas virgens, com direito aos tais folhetos ilustrativos.

Eu devia ter trazido a pipoca.” Pérola da minha irmã.

Intervalo. Chá com bolachas, café. Muito café. Round two.

Voltamos animados pela adrenalina do round one. Naquele ritmo, teríamos até o fim da tarde alguma luta corporal na sacristia. A expectativa era geral.

Para nossa decepção, o casal 1 saiu de cena dando lugar ao casal 2, ponderado, falando coisas com nexo... Droga, dali não sairia nenhum barraco religioso.

Entre uma piada e outra chegamos mesmo a prestar atenção nos assuntos tratados. Falaram de coisas como os fundamentos do batismo, as obrigações dos padrinhos, dos pais.

Foi então que descobrimos que os padrinhos de uma criança devem ser preferencialmente casados, freqüentadores da igreja e que são os responsáveis pelo desenvolvimento da fé da criança. Olhei para a minha irmã, ela olhou para mim. Gargalhadas. Eu estava a anos luz da madrinha perfeita, ao menos de acordo com os padrões da igreja católica.

Nem confiança para esses carolas. Felizmente sabemos que o papel de uma madrinha vai muito além dessa bitola e inclui estar presente, dar amor, carinho, segurança, ensinar o respeito, a responsabilidade e a alegria de viver, além de dar presentes maneiros, lógico, e para essas tarefas eu estou perfeitamente habilitada. E ansiosa.

No fim das contas, demos umas boas risadas, conhecemos algumas pessoas malucas, comemos bolachas de maisena e aprendemos quase nada. Para mim, uma única lição: devo segurar a cabeça da pequena com o braço esquerdo na hora do batismo. Já valeu o curso.

6 comentários:

Maíra Colombrini disse...

Eu jurava que a igreja condenava o uso de cocaína por carolas que ministram cursos... mas anyway!!!

Acho que você será uma madrinha fasntástica! Parabéns!

Menininha bossa-nova disse...

Eu acabo de desistir da idéia de querer concorrer ao cargo de madrinha do meu sobrinho. Tô feliz sendo tia.

Unknown disse...

Eu tava jurando que seria um curso de madrinha da bateria da unidos da viradouro, tamanha agitação...heheh
bjuuuu

Unknown disse...

Juliana!!!

Adorei a sua história!!! Chorei de tanto rir!!!

Descobri que seria madrinha do filho (Vicente) do meu Prirmão ontem e precisava saber como era esse curso!!! Quando joguei no Google "Cursos de madrinha", jamais esperava me deparar com uma história dessas!!! graças a vc, já tenho uma idéia do que será e já irei preparada. Afinal de contas, os cursos de outras igrejas devem ser mais ou menos, no mesmo nível.

Muito obrigada pela sua ajuda!!!

Bjusss

patty disse...

booooa!
caguei de rir!!!
não sei se vai dar tempo de fazer o curso, mas vou batizar do mesmo jeito, pelo menos agora eu sei que tem de segurar acabeça do meu Nico com a mão esquerda!!
quem sabe esse não é o teste do Padre?! rsrrs
beijoca!

Ju Hilal disse...

Betta e Patty,
que bom que vcs gostaram. Espero ter ajudado.
Não sei se o curso é igual nas outras igrejas mas preparem-se para a "experiência".
rs
Parabéns pelos batizados!
Beijão